28 de fev. de 2010

Especial)))
W.Rio Apa
85 anos, em plena atividade
O escritor Wilson Rio Apa, aos 85 anos, continua na companhia do mar e das letras, duas de suas maiores paixões. O ex-guru de Cristovão Tezza trabalha agora em um ensaio sobre os mitos culturais

Aos 85 anos, completos no dia 5 de fevereiro, o homem que colocou o litoral paranaense no mapa da literatura universal continua escrevendo. Diariamente em sua casa, na praia da Pinheira, em Florianópolis, o escritor Wilson Rio Apa se dedica a compor novas páginas de um livro de ensaios intitulado Mitos Culturais. “Nesse livro eu desvendo o cérebro, o imaginário e o próprio eu. Tanto que o livro ia se chamar inicialmente: ‘Eu? Eu quem?’ ”, explicou Rio Apa, em uma entrevista concedida a este repórter por telefone, no finalzinho de 2009.

Concluindo que o primeiro nome do livro não era dos melhores, Rio Apa resolveu então batizá-lo de Mitos Culturais, visto que nessa obra ele também fala sobre as funções da mitologia para a humanidade. Nietszche, Schoppenhauer, Jung e Eduard Osborne são alguns autores que Apa utilizou como referência para o desenvolvimento de seu ensaio. “Provavelmente vai ser o meu último livro”, anuncia ele, que já escreveu mais de 30 obras, entre romances, contos, peças de teatro e ensaios.

No momento, o escritor também procura uma editora para publicar o trabalho. E não precisa ser das grandes, diz Rio Apa. Basta que a edição fique boa e que a capa e o projeto gráfico fiquem a cargo do pintor e amigo Cláudio Kambé. “A preocupação de ser editado por editoras grandes já passou faz tempo”, lembra ele, que já foi editado pela José Olympio e pela Brasiliense. “As grandes queriam que eu me curvasse à vontade delas, queriam que eu fizesse literatura infantil. Além disso, o autor para elas precisa estar em evidencia, na mídia, para ser visto e lembrado, e eu nunca estive disposto a isso.”

A gênese de um escritor mítico
O homem que passou a maior parte da sua vida próximo ao mar, em meio a pescadores e gente simples, nasceu longe da água salgada, na capital São Paulo, vindo de uma família abastada e tradicional, que depois se instalaria em Curitiba. “Meu pais eram burgueses e mal me topavam. Mas é verdade que me ajudaram economicamente”, conta ele hoje. Se dependesse dos desígnios do pai, o desembargador Arthur Galvão do Rio Apa (que por sua vez descendia do Barão do Rio Apa, ministro de guerra no governo de Floriano Peixoto), o escritor manteria um vida burguesa padrão, assumindo também uma carreira jurídica.

Por algum tempo, o escritor até tentou agradar a família nesse sentido, bacharelando-se em direito, em 1949, pela Universidade Federal do Paraná. Mas, depois de formado, decidiu fazer o que realmente queria: correr o mundo como marinheiro. Wilson Rio Apa passaria então dois anos seguindo rotas do oriente e do ocidente a bordo de um navio. Na volta ao Brasil, retomou uma carreira jornalística já iniciada nos tempos de estudante. Nessa época, porém, seus textos se transformaram em relatos de experiências no mar, que prosseguiram pela costa brasileira, em embarcações capitaneadas pelo próprio escritor.

As aventuras seriam muitas, dignas de um Joseph Conrad. Rio Apa chegou a ficar um mês sozinho em uma ilha deserta no litoral do Paraná, vivência que seria transposta em uma série de textos sob o título de Experiências com a Solidão. Mais tarde continuaria navegando e passando temporadas em ilhas como a dos Jererês, e a ilha das Cobras. Uma de suas experiências mais intensas foi o naufrágio de seu barco em Abrolhos, o que quase lhe custou a vida.

Na sequência, Rio Apa se tornaria líder, tanto de uma cooperativa de pescadores e agricultores, como de uma comunidade artística em Antonina. Como teatrólogo, no final dos anos 60, passa a organizar uma série de peças em Curitiba e no litoral, a exemplo das montagens de o Templo das 7 Confissões, As Fúrias, e da Paixão segundo todos os homens, a qual foi encenada primeiramente em Alexandra, município vizinho a Paranaguá, e depois e em Florianópolis.

Paralelamente, nesse período Apa começa a escrever algumas de suas principais obras: o livro de contos No Mar das Vítimas, e o primeiro volume de uma tetralogia ficcional, intitulada Os Vivos e os Mortos. Nessas obras, o escritor produziu literatura da melhor qualidade, utilizando como base todo o universo do povo caiçara, algo sem precedentes na história da literatura paranaense.

Já no fim da década de 70, Apa se muda para Florianópolis. Desde então, muitos de seus pensamentos ganham a forma de ensaios, assim como ele também passa a editar contos em formato de jornal. Por volta do ano 2000, torna-se editor de um fanzine anarquista chamado Clã-destino, recebendo colaborações de jovens de todo o Brasil. Apa seguiu viajando pelo país em contato com comunidades alternativas - em eventos do Enca (Encontro Nacional das Comunidades Alternativas) - até alguns anos atrás. Mas parou com as viagens, segundo ele, um tanto desiludido com o que andava encontrando. “Pensei que essa juventude estaria mais adequada aos tempos atuais. Buscar a natureza é algo válido, mas ficar nisso não basta. Para transformar a sociedade é preciso ir além, e isso não estava acontecendo.” Agora, Apa confessa que anda mais caseiro, passando seus dias a caminhar pela Pinheira, entretido com cachorros e sabiás, e escrevendo.

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Por que W. Rio Apa é importante, na opinião do professor de literatura brasileira da Universidade Federal do Paraná Édison Costa.

Francofonia - O que você destaca na produção literária de Wilson Rio Apa?
Édison Costa - O grande trabalho dele na área da ficção foi a tetralogia Os vivos e os mortos. Rio Apa desenvolve nesses quatro volumes uma narrativa fundadora: a saga mítica da luta do povo pela vida em terras do litoral paranaense. Os episódios e os personagens compõem um universo de experiências despojado mas vital, autenticamente popular. O tempo se estende desde o momento inicial de perfeita e completa integração à natureza até os anúncios cada vez mas insistentes de agressão ao meio ambiente chegados do exterior. Muito antes da atual onda de movimentos ecológicos Rio Apa estava atento para a importância desse tema.

Qual é o lugar de Os Vivos e os Mortos no quadro da literatura brasileira?
Rio Apa desenvolve a história de uma comunidade ainda não contaminada pela arficialidade da vida moderna. Retoma em espaço paranaense mitos universais recorrentes, por exemplo, na tradição judaico-cristã. Seu narrador é voz que soa, em ritmo e visão de mundo, como a do ancião que guarda a memória do passado na comunidade primitiva. É possível então aproximar Os vivos e os mortos de narrativas fundadoras como a Odisséia e Antigo Testamento. Seu livro propõe-se como narrativa de fundação em espaço e tempo paranaenses.

Qual é a importância da obra de Rio Apa?
O envolvimento ficcional com os povoadores primitivos do litoral paranaense e a ousada experiência que Rio Apa realiza no plano da linguagem definem uma visão de arte que, pelo menos neste Estado, nenhum outro autor parece ter abraçado posteriormente. Ele inscreve sua narrativa em território literário afim ao de Macunaíma e Viva o povo brasileiro, pois a reflexão que desenvolve sobre os fundamentos vitais da experiência humana não é estranha, em última análise, à reflexão sobre a identidade cultural brasileira presente nos livros de Mário de Andrade e João Ubaldo Ribeiro. De outro lado, em tempos de aquecimento global e de artificialização do viver, sua leitura faz-se cada vez mais indispensável.

Por que hoje em dia ele é um autor pouco conhecido?
Possivelmente porque nunca foi de seu interesse escrever best-sellers ou entrar para academias de letras. Entregando-se apaixonadamente ao seu projeto de criação literária e teatral, atraiu de imediato, porém, a atenção e o respeito do que havia de mais vivo e palpitante entre os jovens dos anos 70 e 80 do século passado, que dele também recebiam, reciprocamente, respeito e atenção.

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TEATRÓLOGO SINGULAR

A professora de literatura da UFPR e estudiosa do teatro Marta Morais da Costa também destaca a relevância da obra de Wilson Rio Apa para as artes cênicas. Marta é autora do livro O teatro de Wilson Rio Apa, em que analisa todas as peças de Apa produzidas nos anos 60 e 70. Escrita no fim dos anos 80, a obra permanece inédita, mas Marta afirma que pretende publicá-la no futuro.

Segundo a professora, Apa desenvolveu um teatro completamente diferente do que era feito na maior parte do país nos anos 60. “Enquanto a maioria dos artistas fazia um teatro realista ou político, ele explorava mais o lado simbólico, mítico e existencial, tentando esclarecer o papel do homem no universo.” A professora vê pontos de contato entre a obra de Rio Apa e autores como Eugène Ionesco e Jean Paul Sartre.

O fato de trabalhar com mitos e arquétipos e de propor encenações que estivessem muito próximas do público, fazendo peças em espaços alternativos, também aproxima Rio Apa de teatrólogos como Jerzy Grotowski e Eugênio Barba, diz Marta. “Nas suas montagens ao ar livre de A paixão segundo todos os homens ele movimentava toda uma comunidade. Era algo impressionante”, afirma ela, que esteve presente em algumas das encenações.

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Na labuta do Verão

Algumas das reportagens mais divertidas de fazer, durante a cobertura da temporada de verão, no litoral paranaense, pela Gazeta do Povo:

Uma matéria sobre cotidiano repleto de surpresas dos pescadores de Matinhos. Conheça a história dos primos que ficaram 24 horas boiando no mar, descubra como pescador também é bacharel e confira as belas fotos do Daniel Castellano feitas ao raiar da alvorada
http://www.gazetadopovo.com.br/verao/lazereaventura/conteudo.phtml?tl=1&id=975512&tit=Um-verdadeiro-mar-de-historias


Em busca do uísque caiçara. Na Barra do Arapira, fui com o fotógrafo Antônio Costa "Socó" ver onde é que nasce a Cataia, planta que transforma pinga em johnny walker...
http://www.gazetadopovo.com.br/verao/conteudo.phtml?id=968950


Tradição, prosa e peixe fresco: um retrato sobre os mercados de peixe do litoral
http://www.gazetadopovo.com.br/verao/conteudo.phtml?id=961836

Lange de Morretes: um perfil sobre esse artista e cientista fantástico, que adorava caracóis, conversava com árvores e que chegou a descobrir (ou inventar) uma fórmula ideal para se desenhar um pinhão
http://www.gazetadopovo.com.br/verao/conteudo.phtml?id=975593

"Engenho de dentro, quem não saltar agora, só, no próximo baile em Realengo..." Saltei de banda num show do Jorge Ben Jor, descolando resenhas e um autógrafo para a Chiquita

http://www.gazetadopovo.com.br/blog/curtindooverao/?id=958714
http://www.gazetadopovo.com.br/blog/blogdoverao/?id=958737

Dando um tempo na muvuca, o fotógrafo Jonathan Campos e eu fomos conferir três praias secretas no Litoral do Paraná
http://www.gazetadopovo.com.br/verao/lazereaventura/conteudo.phtml?id=961722

Saiba como foi a vitória das Sa-fadas, no concurso das escandalosas em Antonina
http://www.gazetadopovo.com.br/verao/conteudo.phtml?id=974256

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