29 de nov. de 2008

Teatro)))O obscuro que fascina
Com ousadia e competência, GRUTA encenou Atentados, peça do dramaturgo inglês Martin Crimp


Sem figurinos especiais, maquiagem ou cenário: GRUTA é adepto de um teatro essencial, que extrai do trabalho do ator a sua maior força.

Quem viu, viu. Em uma temporada meteórica (de 24 a 27 de novembro, três vezes ao dia, no auditório Bento Mossurunga), o grupo de teatro amador do Colégio Estadual, mais conhecido como GRUTA, encenou, pela primeira vez na cidade, a peça Atentados (Attempts On Her Life, 1997), do dramaturgo Martin Crimp.

Como no ano passado, com a excelente montagem de Aurora da Minha Vida, de Naum Alves de Souza, mais uma vez o GRUTA apresentou um trabalho ousado e de alto nível, feito que merece ser aplaudido de pé diante da complexidade do texto de Crimp, este inglês nascido em 1956 e que é representante de um teatro dito “pós-dramático” (vertente teatral contemporânea, influenciada diretamente pelo Teatro do Absurdo).

Diferente de uma peça clássica, dividida em cenas e atos, Atentados é composta por 17 quadros independentes, os quais, em comum, mencionam sempre o nome de uma tal “Anne”, figura que, como o “Godot”, de Samuel Beckett, nunca aparece realmente em cena. É apenas evocada através de narrações.

Entidade feminina e fluídica, Anne é descrita de várias maneiras ao longo da peça. Em um quadro ela é uma terrorista, em outro é uma artista. Em certo momento é uma mulher que teve os filhos mortos na guerra e, num ponto extremo, vira o nome de um novo modelo de carro. Anne, portanto, é “qualquer” (“any”, em inglês) mulher ou coisa, o que fica claro até por esse jogo de palavras.

Desafios

Se em termos de conteúdo, a peça é complicada, formalmente, é também um deus-nos-acuda, como lembra Hermison Nogueira, professor de teatro do Estadual que coordenou essa criação coletiva do GRUTA. “No texto de Crimp não há rubricas, nem demarcações de personagens. São usados apenas travessões, o que significa que alguém, que não sabemos quem, começou a falar”, diz Hermison.

“O texto então nos permite fazer qualquer coisa. O próprio autor diz que não é preciso montar os 17 quadros [nessa montagem foram escolhidos seis deles] e que eles podem ser ordenados livremente. Essa liberdade é boa por um lado, mas também gera dor de cabeça. Como distribuir entre os atores um texto que não possui personagens?”

De acordo com Hermison, a forma que o grupo encontrou para lidar com a peça foi, primeiro, trabalhar bem o corpo, com exercícios e experiências cênicas, para só depois “pôr o texto no corpo”. “Encenadores mais naturalistas, que priorizam o texto e trabalham primeiro com ele, até podem achar que fizemos uma blasfêmia, mas eu não me importo. No GRUTA temos liberdade para experimentar”.

De fato, experimentações não faltaram. O grupo se manteve longe de caminhos fáceis e buscou sempre o risco. A começar pela opção de dispor o público no palco, interagindo com os atores. Mais emblemático ainda é lembrar da cena em que uma atriz declama sua fala em cima de uma mesa que é balançada o tempo todo, ou quando um ator suspende uma bola de boliche sobre a cabeça de colegas deitados no chão.

Esse constante pôr-se em risco, somado a uma estética sombria adotada pelo grupo (também com recursos simples como black-outs constantes, uso de lanternas, som ao vivo etc.), casou perfeitamente com o texto sinistro de Martin Crimp, o qual, vale ressaltar, também possui fartas doses de humor. Esse humor, bastante irônico, foi igualmente bem contemplado pela montagem do GRUTA, em especial na cena em que um dos atores declama o soturno quadro “A Garota ao Lado”, na forma de um blues provocante.

Para quem pensa que um texto fragmentado e repleto de referências (inacessíveis para muitos) só provoca enfado e repulsa no público, o GRUTA mostrou como a obscuridade pode ser instigante.


*Publicada no Espaço 2 do
Jornal do Estado (2/12/2008)

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Idioma)))
O homem-show da língua alemã
Bastian Sick, o colunista de gramática que se transformou em fenômeno da mídia, faz turnê pela América do Sul


Autor é best-seller em países germânicos com livros que tratam sobre gramática de forma bem-humorada.

Imagine se o professor Pasquale Cipro Neto realizasse uma turnê por países da Europa, em hipotéticos institutos Machado de Assis. Eis uma comparação fantasiosa, mas que talvez dê uma idéia do que representa a vinda do jornalista e escritor alemão Bastian Sick para o Brasil e outros países da América do Sul.

No dia 30 de outubro, Bastian lotou o auditório do Instituto Goethe em Curitiba, onde apresentou uma de suas palestras-show sobre questões espinhosas do idioma alemão.

Bastian Sick é hoje o comentarista da língua alemã mais famoso no mundo. Fenômeno da mídia, ele assina uma coluna sobre gramática na revista Spiegel e apresenta shows em teatros e na televisão. Entre seus livros publicados, que já venderam mais de quatro milhões de exemplares, o mais conhecido é O dativo é a morte do genitivo (Der Dativ ist dem Genitiv sein Tod), dividido em três volumes. Bastian também lançou CDs, um DVD e até um jogo educativo, tendo o idioma como mote.

Trajetória

Na palestra em Curitiba, além de transformar em comédia uma conversa sobre erros freqüentes da língua, Bastian contou ao público um pouco sobre sua vida. Nascido em 1965, no norte da Alemanha, em Lübeck, Bastian disse que desde pequeno já gostava de escrever. Foi ator nos tempos de colégio e inclusive escreveu algumas peças teatrais, cujos papéis principais acabavam sendo, invariavelmente, representados por ele.

Filho de professores, quando jovem pensava em seguir a mesma profissão dos pais. Porém, depois que se formou em História e Romanística, acabou trabalhando como revisor e tradutor de revistas em quadrinhos, até ingressar, em 1995, na revista Spiegel, um dos semanários mais importantes da Europa, na função de arquivista.

Tempos depois, promovido a revisor da Spiegel online, surgiria por acaso a oportunidade que mudaria a sua carreira. Naquela época, Bastian enviava, por conta e risco, e-mails bem-humorados aos colegas, aplicando neles sutilmente alguns puxões de orelhas gramaticais.

Tais e-mails chegariam ao conhecimento do editor da revista, que gostou do que leu e o convidou para escrever uma coluna sobre dúvidas da língua. Bastian topou o desafio e em maio de 2003 estreava a coluna Zwiebelfisch (literalmente “Peixe-cebola”, é uma expressão usada em gráficas para dizer que há erro de tipologia em uma palavra; com esse nome, na verdade, Bastian alude a palavras que são usadas de forma incorreta). Foi o início do fenômeno Bastian Sick, que em 2006 chegou a reunir 15 mil pessoas em um ginásio para a “maior aula de alemão do mundo”, devidamente registrada pelo Guinness Book.

O segredo da popularidade
Mais do que passar lições sobre a língua, os textos e as apresentações de Bastian são verdadeiras crônicas humorísticas, repletas de reflexões e provocações.

“O que Bastian faz é mostrar que todos cometem erros com o idioma, mas ele não fica só criticando. Ele faz tudo com humor, com alegria. Ele não é um professor, é mais um entertainer”, diz o austríaco Rüdiger Wetzl, professor de alemão e inglês.

“O objetivo maior dele é que as pessoas tenham mais consciência sobre o que lêem e escrevem. A mensagem que ele deixa é que não se deve ter medo da língua. Língua é alegria”, afirma Rüdiger, que assistiu à palestra de Bastian em Curitiba.

Mas com todo o sucesso e os fãs que conquistou, Bastian viu surgir também uma série de críticos ao seu trabalho. Artigos buscando apontar onde o corretor de alemão havia escorregado pulularam na mídia e neste ano até um livro foi publicado para rebatê-lo: Doente com o Sick? Um passeio pela língua como resposta à coluna Zwiebelfisch (Sick of Sick? Ein Streifzug durch die Sprache als Antwort auf den Zwiebelfisch), do professor André Meinunger, da Universidade de Leipzig.

Diante disso, pergunto a Bastian como ele se sente quando é corrigido. Naturalmente ele responde que também tem dificuldades para ouvir uma crítica, mas afirma que sempre tenta refletir sobre o que dizem dele. Sobre os acadêmicos que policiam os seus passos, ele reconhece que muitos estudam profundamente a língua e sabem do que falam. “Mas não conseguem fazer o que eu faço”, diz. “Eles não são engraçados. Eles são cientistas e cientistas são chatos.”


*Reportagem publicada na Revista Idéias n°85

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Entrevista)))
Língua se aprende por paixão
Foto: Franco Caldas Fuchs


Depois de passar pela Colômbia, Equador, Bolívia, Brasil e Chile, a turnê do jornalista, escritor e entertainer da língua alemã Bastian Sick (foto) terminou na Argentina, no dia 11 de novembro. No dia 30 de outubro, falando pela primeira vez à imprensa na América do Sul, Bastian concedeu uma entrevista momentos antes de sua apresentação em Curitiba. Leia a seguir os principais trechos da conversa.

Existe a possibilidade de os seus livros serem traduzidos para outros idiomas?
Infelizmente a tradução dos meus livros não dá muito certo, o que deixa meus editores um pouco tristes. Afinal eu trato de aspectos específicos e engraçados da língua alemã – regras, ortografia etc. – que não existem em outros idiomas e não ficam bem traduzidos. Além de perderem a graça.

Os shows dessa sua turnê são muito diferentes dos que você faz na Alemanha?
O que venho fazendo aqui são leituras mescladas com algumas projeções de imagens. Na Alemanha é mais um one-man show, com leituras também, porém com mais elementos, como filmes e músicas. Lá as minhas apresentações acontecem em um palco.

Como avalia a qualidade do ensino de alemão na Alemanha?
As conclusões que tiro, a partir do que leio e observo, é que o conhecimento geral da população está diminuindo e o tempo para se dedicar aos idiomas é cada vez mais reduzido.

Há escolas que nem ensinam mais gramática. Então quando alguém vai aprender português, por exemplo, e o professor passa a diferença entre adjetivo e advérbio, aí já é tarde demais porque o aluno já deveria ter aprendido isso na sua própria aula de alemão.

Você teve bons professores de alemão na sua infância e juventude?
Sim, tive bons professores que hoje estão orgulhosos e felizes comigo, especialmente a minha professora do primário que me ensinou a ler e a escrever.


Você se considera um professor de alemão?
Na verdade não. Apesar de que muitas vezes as pessoas me declaram como tal. Na universidade eu até estudei pedagogia, para poder dar aulas, mas depois me dediquei a outras matérias.

Alemão é uma língua fácil ou difícil? Que conselho você daria para quem está começando a estudar esse ou qualquer outro idioma?

Nós alemães também temos dificuldades para aprender russo, mas mesmo assim há quem o aprenda, assim como finlandês, que é também um idioma muito complicado. Não é uma questão do que é fácil ou difícil. As pessoas aprendem uma língua porque têm uma paixão. Seja pela língua mesmo, por um país ou por uma pessoa que more nele.

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