2 de set. de 2008

Dança)))
Portas abertas ao inesperado
Casa Hoffmann reúne público e artistas em improvisações de dança e música
Fotos: Franco Fuchs

Público da feira é atraído pelo projeto Dança de Portas Abertas.

Domingo de sol em Curitiba. Feira do Largo da Ordem lotada. De repente, parte do povo que saracoteia entre barraquinhas de artesanato começa a se aglomerar diante da Casa Hoffmann. Através de suas portas escancaradas é possível ver lá dentro um grupo de pessoas mexendo o corpo de diversas maneiras possíveis, dando pulos, se arrastando pelo chão...

Tudo isso embalado por uma orquestra do barulho, composta por instrumentos como guitarra, tambores, reco-reco, flauta, sax, berimbau e até didgeridoo (instrumento dos aborígines australianos).


Mais de dez pessoas executam uma espécie de música tribal, feita de improviso, e o detalhe é que muitos desses músicos estão longe de serem considerados profissionais. E isso pouco importa, pois muitos que estão dançando (sim, o que eles fazem é uma dança!) também não são bailarinos profissionais e mesmo assim essa manifestação espontânea não deixa de impressionar.

Tanto que não demora muito e os espectadores mais curiosos vão se sentando no chão da casa. Alguns, inclusive, ante o convite de quem está dançando ou tocando, tomam coragem e embarcam nessa performance coletiva.

E para quem ainda não entendeu o que se passa na Casa Hoffmann (muita gente não sabe que ali funciona o Centro de Estudos do Movimento), um banner postado num canto do salão dá uma pista. Nele se lê: “Dança de Portas Abertas. Entre que a casa é sua. Último domingo de cada mês, das 12 às 14h”.


Tocando didgeridoo, o músico Marco Rangel, do grupo Gaia Piá.

Encontros para o improviso

Implementado desde 2006 na Casa Hoffmann, o projeto Dança de Portas Abertas reúne artistas de diversas áreas e também pessoas que não são ligadas diretamente à arte para a realização de improvisações coletivas – as chamadas jam sessions – envolvendo principalmente a dança e também a música.

Numa jam, tudo pode acontecer, e é isso que leva o ator Lyncoln Diniz a elas. “Sem ter combinado nada, pessoas que nunca se viram acabam se encontrando e se dispondo a interagir. Isso é muito interessante”, diz ele. “No caso do teatro, a gente está acostumado a marcar ensaios em que já levamos idéias prontas. Aqui não. Você entra desarmado”, compara. De acordo com Lyncoln, a sua movimentação surge a partir do “jogo” com quem está no salão. “Eu tento embarcar no que está acontecendo e também propor coisas novas. O importante é esse jogo. Você influencia e é influenciado pelos outros”, explica.


Cena de uma jam session na Casa Hoffmann.

A bailarina e jornalista Bel Nejur também expõe o seu processo de improvisação. “O movimento pode surgir a partir de vários meios”, diz ela. “Tanto a música como a visualização dos outros que dançam podem ser estímulos para a criação”. Mas nem por isso os movimentos que Bel executa são completamente aleatórios. Pela sua formação como bailarina, ela afirma estar ligada com tudo o que acontece ao seu redor e que a dança lhe surge de modo consciente em seu corpo.

Situação que pode ser diversa, por exemplo, de alguém que não é da área de dança e que começa a desenvolver movimentos sem se preocupar com o que está fazendo. “Mas tudo é válido”, ressalta Bel. “Cada um vem para cá com um objetivo diferente. Alguns vêm simplesmente para se divertir e relaxar”.

Popularizando a Casa Hoffmann

Além de estimular a criatividade, de promover reflexões e encontros inesperados entre as pessoas, o Dança de Portas Abertas também serve para aproximar a Casa Hoffmann do público em geral, visto que muita gente acaba entrando nesse espaço pela primeira vez durante o evento.

Administrada pela Fundação Cultural de Curitiba desde 2003, a Casa Hoffmann é sede do Centro de Estudos do Movimento, onde são desenvolvidos uma série de cursos, palestras e apresentações voltadas para a dança.

Serviço
Dança de Portas Abertas. Domingo (31), das 12h às 14h. Entrada livre. Casa Hoffmann - Centro de Estudos do Movimento. Rua Claudino dos Santos, 58, Largo da Ordem. Tel.: 3321-3228.


*Publicado no Espaço 2 do Jornal do Estado (30 e 31/8/8)

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Entrevista)))

“Você pode experimentar
a sensação de ser artista”


Coordenadora de dança da Fundação Cultural de Curitiba e responsável pelo projeto Dança de Portas Abertas, Marila Velloso fala mais sobre as jam sessions que acontecem na Casa Hoffmann. Confira os principais trechos da entrevista.

Francofonia - Quais são os objetivos do Dança de Portas Abertas?
Marila Velloso - Criar um trânsito entre as pessoas que já estão na feira, e uma dança que se faz num equipamento público, a Casa Hoffmann. Além disso, ser espaço de compartilhamento, de fluxo de informação, e também gerar um ambiente para a possível emergência de uma cultura de reconhecer o outro por meio da dança.


Francofonia - Quem normalmente participa da atividade?
Velloso - Depois de dois anos, temos crianças, filhos de feirantes, pessoas que se acostumaram e vêm fotografar, turistas, passantes que param por algum tempo nas portas, bolsistas e estagiários da Casa Hoffmann, alunos da Faculdade de Artes do Paraná, artistas que passam por Curitiba e, cada vez mais, músicos.

Francofonia - O que é feito durante o projeto Dança de Portas Abertas é arte? O público leigo, quando participa da atividade, pode ser considerado artista?
Velloso - Você pode experimentar a sensação de ser artista ao se pôr em relação com esse ambiente contaminado pela música e pela dança. Acredito que a arte faz parte de cada um de nós em diferentes níveis perceptivos e de vivência. Faz parte da humanidade. Porém, ser um artista realmente diz respeito a um investimento de vida que envolve dedicação, pesquisa, criatividade, entre tantos outros fatores.

Francofonia - Quais são as origens dessas jam sessions?
Velloso - Essas sessões de improviso, as jam sessions, surgiram com os músicos de Jazz. Mas muitos artistas da dança, incluindo Merce Cunningham, nos anos 60, também desenvolveram linhas de improvisação, as quais foram se diferenciando entre si. Uma linha que naturalmente é utilizada no Dança de Portas Abertas emerge do “contato-improvisação”, técnica desenvolvida e liderada por Steve Paxton.

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