9 de jul. de 2008

Artes cênicas)))
A duplicidade é um eterno enigma

Sem notícias de ti, mon cher é centrada num misterioso par de figuras andróginas



Fica em cartaz até o dia 13 de julho, na Casa Hoffmann, a peça Sem notícias de ti, mon cher, realizada pelos criadores-intérpretes Luis Carlos Zabel e Maíra Silvestre. O trabalho é resultado do programa de pesquisa em dança contemporânea que é desenvolvido no local.

Ao longo de aproximadamente 20 minutos, Luis e Maíra não dizem uma palavra, mas conseguem sugerir uma porção de idéias através da movimentação de seus corpos.

Os atores encarnam duas figuras praticamente idênticas e andróginas. Seus trajes extravagantes (vestem saias brancas plissadas e armadas, corpetes e uma espécie de camisa rendilhada negra, com ombreiras em formato de bolas) emprestam a eles uma aura de nobreza, que combina com as suas posturas corporais.

Com trejeitos que bem poderiam caber a um lorde inglês ou a uma gueixa japonesa, eles reproduzem cenas cotidianas, como uma pausa para um chá ou os momentos que antecedem o sono, e também desenvolvem certas ações que nos deixam com a pulga atrás da orelha, como quando ficam pulando num pé só ou quando se arrastam pelo chão, por exemplo.

E como os personagens de Lewis Carroll, Tweedledum e Tweedledee, eles permanecem sempre juntos, seja dividindo o chá, o tédio ou a insônia. É claro que, ao longo desse convívio, volta e meia surgem pequenos conflitos (a certa altura, eles se dão as mãos, porém cada um vai para um lado), mas fica evidente que eles são inseparáveis.

A todo momento o público é levado a questionar sobre quem são esses dois (seriam irmãos? marido e mulher? representam uma mesma pessoa?) e que tipo de relações eles têm (eles se amam? se odeiam? ou as duas coisas?).

Obra aberta, Sem notícias de ti, mon cher nos estimula a fazer as mais diversas leituras sobre o seu conteúdo, sem cair na chatice e na completa arbitrariedade que assolam muitos espetáculos experimentais por aí. Pela boa dinâmica entre as suas cenas e pela precisão demonstrada por esses jovens atores em suas performances, mesmo o espectador mais perplexo se mantém ligado até o fim da peça.

Serviço
Sem notícias de ti, mon cher. De quinta a sábado, às 20h, e domingo, às 19h. Até o dia 13 de julho. Entrada franca. Casa Hoffmann – Centro de Estudos do Movimento. Rua Claudino dos Santos, 58, Largo da Ordem. Tel.: 3321-3228.

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7 de jul. de 2008

Cultura underground?)))
Bem-vindo ao museu de horrores!
Jornal TiraGosto visita o museu do IML em Curitiba. Além de corpos fatiados, múmias e calcinhas também fazem parte do acervo

A equipe do Jornal TiraGosto desce ao subsolo do Instituto Médico Legal de Curitiba. É lá, pertinho do necrotério, que se localiza o Museu do IML, que desde 1975 exerce uma importante função educativa para estudantes de ciências biológicas e criminais. Somos recebidos então por Joel Camargo, o curador do museu e que será o nosso guia nessa visita.

Antes de tudo, Joel deixa claro que filmagens e fotografias são terminantemente proibidas. Ele também avisa que a entrada de pessoas mais sensíveis é totalmente desaconselhável. Não foram poucos, segundo ele, os que ficaram chocados ou tiveram enjôos após verem o que estávamos prestes a testemunhar.

Mas como depois dessa advertência ninguém decide retroceder, Joel finalmente nos abre a porta desse inusitado universo. Um forte odor de formol invade nossas narinas.

Uma sala-museu
A primeira impressão que temos do lugar, infelizmente, é um tanto frustrante. Em nossa ingenuidade, esperávamos encontrar um espaço maior e que possuísse um clima bem mais tétrico e misterioso. Em vez disso, deparamo-nos com uma salinha em “L”, que lembra muito aquelas salas de ciências de colégio, com seus esqueletos pendurados e os tradicionais vidros com fetos e animais.

Porém é claro que a quantidade e a variedade de peças do museu supera muito a desses espaços amadores. O fato de as suas paredes estarem forradas com centenas de fotos de pessoas mortas e estraçalhadas é outro aspecto que diferencia instantaneamente o lugar.

O acervo
De início, Joel nos deixa livre para observarmos os recipientes repletos de cérebros, pulmões, corações e muitos outros órgãos. Até que, no alto de uma prateleira, a presença de duas santas ladeadas por crânios nos chama a atenção. “São santas de sua devoção?”, perguntamos a Joel. “Não. Isso foi encontrado num ritual de magia negra e depois trazido para cá”, responde ele.

Nosso guia agora nos exibe partes de corpos embalsamados e inclusive desafia um de nossos jornalistas a segurar uma cabeça mumificada. Perguntamos então a Joel sobre o que havia acontecido com uma perna, completamente disforme e craquenta, que jazia num balcão. “Essa perna mutilada era de um sujeito com elefantíase”, diz ele. “E isso aqui na pele é uma micose severa que acabou tomando a perna toda”.

Num outro lado da sala, pedimos que o curador nos esclareça sobre alguns animais que estão dentro de vidros, como uma cobra, por exemplo. “Uma mulher foi beber água na serra e pôs a boca direto na bica”, explica ele. “Acabou engolindo essa cobrinha”.

Fálicos e letais
Nosso guia agora nos apresenta a uma extensa coleção de objetos que foram introduzidos – de forma letal – em ânus e vaginas. Há uma abóbora, canos de PVC e até mesmo um limpador de pára-brisas, que foi utilizado para empalar um sujeito. Na parede, Joel aponta para uma radiografia em que se vê a mancha de uma garrafa de refrigerante que fora introduzida no reto de alguém.

Em outro expositor, Joel nos mostra diversos psicotrópicos e objetos utilizados por usuários de drogas, como cachimbos e seringas. Próximo desses artefatos, deparamos-nos com algo ainda mais curioso: uma coleção de calcinhas, que foi encontrada com um ladrão fetichista.

As múmias
Destaques do museu são certamente as múmias de três homens, que foram confeccionadas pelo próprio IML na década de 70. Periodicamente, Joel precisa prestar manutenção a esses corpos, com aplicações de álcool e glicerina para que eles não embolorem. Joel também faz questão de aparar cabelos e unhas, que mesmo nos mortos continuam a crescer.

Diante de nossa incredulidade quanto a isso, o curador nos mostra a barba de “Gianecchini” – apelido da múmia com mais pinta de galã. Segundo Joel, o cavanhaque de Giane havia sido cortado recentemente e logo novos fios voltaram a despontar. Nosso guia também pede para que demos uma boa olhada em “Paraibinha”, múmia deste bandido que havia matado várias pessoas com uma foice. De fato, como pudemos comprovar observando uma foto, Paraibinha mumificado está muito mais cabeludo do que quando falecera.

O medo
Trabalhando diariamente no meio de gente morta, teria Joel medo de fantasmas e assombrações? Buscaria ele refúgio em alguma religião? É o que perguntamos ao curador do museu ao fim de nossa visita. Revelando-se católico, Joel afirma que nunca teve problemas com os defuntos, pois sempre fez questão de tratá-los com respeito. E completa: “Eu sei que a gente não está sozinho. Mas até hoje eu nunca vi nada estranho e nem quero ver”.

Para Joel, do alto de seus 29 anos de experiência no IML, medo é preciso ter dos vivos. O curador recorda como, há trinta anos atrás, Curitiba era uma cidade muito mais pacata, onde se podia andar pelas ruas mesmo à noite, sem preocupações. “Vai hoje você passar pela praça Eufrásio Correa às três da manhã. É pedir pra ser assaltado!” Segundo Joel, os bandidos não se contentam mais em apenas roubar uma pessoa. “Por muito pouco eles te estupram, te matam, não estão nem aí. E há quem chame Curitiba de cidade sorriso”.

Diante de toda essa violência e da fragilidade da vida, nosso guia faz questão de nos lembrar de uma lição bastante simples e verdadeira: “A gente deve é agradecer sempre a Deus por estar vivo”.

Serviço
O Museu do IML oferece visitas guiadas, as quais precisam ser previamente agendadas e autorizadas. O museu funciona de segunda à sexta-feira, das 8 às 17 horas. Avenida Visconde de Guarapuava, 2652, subsolo do IMl. Tel.: 3281-5600.

* Publicada no Jornal TiraGosto

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