31 de mar. de 2008

Festival de Curitiba)))
Artistas protestam contra a censura no Festival
No sábado (29), integrantes do grupo Heliogábalus realizaram uma manifestação em frente ao Memorial de Curitiba

Cena final da peça Scarroll (foto) foi censurada pela organização do Festiva de Curitiba.

19h30 de sábado (29), penúltimo dia do festival de teatro. Uma aglomeração se formou em frente ao Memorial de Curitiba. Trajando um capote listrado como uma zebra, acompanhado de cueca samba-canção e coturnos, o ator curitibano Ricardo Nolasco bradava aos quatro cantos do Largo da Ordem - amplificado por um barulhento megafone - o seu manifesto “Ninguém terá um fim mais heróico do que eu” (leia o na íntegra, abaixo).

Ricardo também se posicionava contra o ato de um suposto policial que apontou uma arma para os atores da peça O Abajur Lilás no dia 23, e protestava contra a censura que o grupo Heliogábalus, do qual faz parte, sofreu com a peça Scarroll.

Segundo Ricardo, a organização do Festival de Curitiba não deixou que a última cena da peça fosse encenada. Nela, entre outras coisas, Ricardo deveria sair da Casa Vermelha, onde a montagem acontecia, e ganhar a rua, vestindo um avental de cozinha e nada mais.

No protesto feito nessa gelada noite de sábado, Ricardo aproveitou igualmente para reclamar que a produção do festival não quis deixar o seu grupo utilizar a estrutura da Casa Vermelha como um todo. “Queriam que usássemos apenas um dos salões e que o espaço fosse usado como um palco frontal, como as outras companhias estavam fazendo. Só que não foi essa a proposta que a gente encaminhou e que o festival tinha aprovado”, disse Ricardo.

Queimando dinheiro
Durante o protesto, Ricardo pedia às pessoas “uma contribuição em nome de Jesus”, tal como um pastor de igreja. E para a surpresa de todos, depois que uma atriz passou pedindo dinheiro, surgiu um jovem de terno, que tirou R$ 60 do chapéu da atriz e pôs fogo nas notas. Com elas, acendeu um cigarro.

“Senhor Jesus Cristo! Eles queimaram dinheiro!”, espantou-se um rapaz cabeludo, que acompanhava a manifestação. Muitos se perguntaram se as “araras vermelhas” eram mesmo de verdade. Eram, como se mostrou depois. Porém, ao contrário de como ficou parecendo, as cédulas queimadas não vieram das contribuições (que talvez não tenham chegado a cinco reais), mas sim do jovem abonado que as incendiou. “Foi um ato simbólico para mostrar que participar do festival é queimar dinheiro”, explicou o incendiário, amigo do grupo Heliogábalus.

“Temos que pagar, como aluguel do espaço, R$ 60 reais por dia de apresentação, sendo que o festival e os impostos ainda ficam com 30% da nossa bilheteria”, disse Ricardo. Ele argumenta que, com as despesas que arcaram, o festival deveria ter oferecido uma estrutura melhor.

My heart will go on
Para encerrar a manifestação, Ricardo e mais uma atriz – que também estava sem calças – deram uma volta pelo Largo da Ordem ao som de uma versão eletrônica de “My heart will go on”, saída diretamente do megafone.

“Posso te falar uma coisa?”, ainda diria um velhinho para Ricardo, quando tudo terminou. “Você é chato pra caralho!”. O ator deu de ombros.

*

Leia o manifesto “Ninguém terá um fim mais heróico do que eu”, de Ricardo Nolasco.

“Não há dramaturgia somente de palavras. Não acreditamos nas palavras. E este é o nosso velho discurso. O nosso velho modismo de sempre. Já repetido um milhão de vezes. Talvez apenas algumas vezes a menos do que são repetidos os grandes textos. Os textos dos grandes autores. A verborragia do verdadeiro teatro. Os textos que realmente dão trabalho para serem feitos.

Pouco importa se desde Artaud já se grita contra a unilateralidade da palavra falada, e únicamente falada. Afinal, o teatro é e segue sendo a arte da palavra falada: e jamais da palavra realizada. Incompetência mesmo.

Por milênios já se fez este teatro que todos querem. É preciso informar mas há algum tempo já se clama por um outro. Por uma nova possibilidade. Estamos falando do mito. E só dele. E só nos interessamos por ele. O mito que desgasta, que tenta a todo custo se enquadrar, permanecer.

Porém os imortais já acabaram. Já padecem em seu paraíso. Será que alguém se importa com o que veio depois do Expressionismo? Falta você ser amado. Falta ser excitado. Faça voltar a escorrer algo desta tua boceta seca. Deste teu pau envilecido, envelhecido. O mais heróico dos homens é aquele que percebe que o tempo passou. Apenas deita em sua cova e sabe que é hora de morrer.”

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25 de mar. de 2008

+ Festival de Curitiba
Fernando Bonassi com sotaque alemão
Vinda da Alemanha, Companhia de Tearte apresenta Prova Contrária, adaptação de um romance de Fernando Bonassi que trata das agruras de um casal que militou contra a ditadura


Em Prova Contrária, um homem retorna para sua mulher 20 anos depois de ter desaparecido.

Num momento em que as discussões a respeito da ditadura estão em evidência na mídia – seja pelo aniversário de quatro décadas do ano de 1968, quando foi instituído o Ato Institucional Número Cinco, ou pela minissérie Queridos Amigos, exibida pela rede Globo –, o enredo da peça Prova Contrária (Fringe), que acontece nos dias 26, 27 e 28, no Teatro José Maria Santos, torna-se ainda mais pertinente.

Um homem que participava de movimentos contra o regime militar, e por conta disso estava desaparecido desde 1974, retorna misteriosamente para sua esposa, 20 anos depois de seu sumiço. Isso acontece bem no dia em que a mulher comemora a compra de um apartamento adquirido graças à indenização recebida pela suposta morte do marido.

Outro aspecto interessante da peça – que é uma adaptação de um romance de Fernando Bonassi, publicado em 2003 –, é que a Companhia de Tearte, responsável pela montagem, reúne artistas do Brasil e da Alemanha.

Origem alemã
Oriunda da cidade de Passau (que fica no estado da Baviera, no sudeste da Alemanha), a Companhia de Tearte é dirigida pela professora brasileira Virginia Sambaquy-Wallner, que ministra aulas de português e também realiza seminários e peças a partir de autores brasileiros na Universidade de Passau.

Em 2007, o grupo encenou Morte e Vida Severina, e em 2008 foi a vez de Prova Contrária, que teve sua pré-estréia em janeiro, num teatro da cidade, com legendas em alemão.

“A recepção da montagem pelos alemães foi muito boa”, afirma Lucas Soares Barreto, ator brasileiro que faz o papel do homem desaparecido e é também responsável pela composição da trilha sonora da peça.

Segundo Lucas, quem for assistir a Prova Contrária verá “uma história de amor, política e solidão”. “E uma peça que trata principalmente do sofrimento dos familiares das vítimas da ditadura, que ficaram sem saber onde e como estavam seus entes queridos”, complementa a atriz alemã Verena Bräler, que faz o papel da esposa.

Os dois atores adiantam também que a montagem apresenta três finais possíveis, que colocam em xeque tanto os motivos da volta do marido desaparecido, como se esse retorno é de fato sonho ou realidade.

Serviço
Prova Contrária (adaptação do romance de Fernando Bonassi). Direção: Virginia Sambaquy-Wallner. Companhia de Tearte (Alemanha). Dias 26 às 21h; 27 às 12h e 28 às 18h, no Teatro José Maria Santos. Ingressos a R$ 14 e R$ 7 (meia).


*

Prova Contrária na Usina de Idéias

Dentro da programação da Usina de Idéias no Festival de Curitiba, a Companhia de Tearte promove um debate com a presença do escritor Fernando Bonassi, autor de Prova Contrária, do músico e encenador Flávio Stein, e dos professores Walter Lima Torres (UFPR), Paulo Venturelli (UFPR) e Susanne Hartwig (Universidade de Passau-Alemanha).

A mesa-redonda acontece no dia 27, às 18h, no espaço A FÁBRIKA (Reinaldino de Quadros, 33, acesso pelo Instituto Goethe). A entrada é gratuita.

Serviço
Mesa-redonda com o escritor Fernando Bonassi e especialistas em literatura e teatro. Dia 27, às 18h, no espaço A FÁBRIKA (Reinaldino de Quadros, 33, acesso pelo Instituto Goethe). Entrada gratuita.

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+ Teatro
+ Reportagem Especial
Quem escreve o nosso teatro?
Em Curitiba, a maioria dos diretores incorpora a função de dramaturgo

A figura emblemática do dramaturgo, como um Nelson Rodrigues, artista que apenas escrevia e não estava envolvido com outros processos de encenação, é coisa rara no meio teatral curitibano dos últimos tempos. Basta olhar nos anuários de teatro ou nos programas das peças para se perceber como, no geral, são os nossos diretores (que muitas vezes também atuam) que escrevem ou fazem adaptações de textos.

Diante desse quadro, este repórter indagou a artistas e estudiosos do teatro o motivo de existirem hoje tão poucos profissionais exclusivamente ligados à dramaturgia. Alguns dos reflexos em nossa cena local, gerados por essa fusão entre diretores e dramaturgos, também foram levantados.

Primeiramente, o professor do curso de especialização em Literatura Dramática e Teatro da Universidade Tecnológica Federal do Paraná (UTFPR), Ismael Sheffler, lembra que a falta de recursos financeiros é um dos fatores que faz as companhias reduzirem os seus membros. “Essa redução de pessoal acaba atingindo os dramaturgos também”, diz ele.

Tal argumento também é colocado por Jader Alves, diretor e professor do Teatro Lala Schneider: “O teatro se tornou uma área complicada para se sobreviver e por isso exige que as pessoas sejam mais versáteis”. Ele conta que muitas vezes não há como se pagar um dramaturgo, ou mesmo outro profissional, como um iluminador, por exemplo. “E é por isso que em Curitiba, não raro, há pessoas que dirigem, atuam, escrevem e ainda cuidam de outras funções. Se é difícil sobreviver fazendo teatro como um todo, sobreviver apenas escrevendo peças é quase impossível”.

Apesar dessa questão econômica, o professor Sheffler aponta casos em que o próprio diretor faz questão de escrever o texto a fim de imprimir a sua “voz” num espetáculo, tendência que se tornou forte a partir da segunda metade do século XX, quando o texto também passou a ter uma importância menor nas encenações.

Questão prática
Edson Bueno, outro exemplo de artista polivalente – por dirigir, atuar e escrever para o Grupo Delírio – arrisca que essa incorporação da função do dramaturgo pelo diretor é algo que passou a acontecer em Curitiba a partir da década de 70. “Até essa época existia ainda uma figura forte do dramaturgo. Mas isso foi mudando e um espetáculo hoje já surge da idéia de montagem”, diz ele. “Além disso, um diretor que possua uma companhia, por uma questão prática, prefere muitas vezes escrever um texto sob medida para os seus atores, ao invés de procurar o texto de uma outra pessoa”.

Entretanto, o ator, diretor e dramaturgo César Almeida, da companhia Rainha de 2 Cabeças, levanta um aspecto negativo sobre esse tipo de dramaturgia: “Quando você escreve pensando nos limites da sua companhia, isso influencia o desenvolvimento pleno da sua criatividade. Você acaba pensando sempre de forma modesta”. Segundo César, em países em que as verbas são mais abundantes para o teatro, os dramaturgos podem ousar muito mais. “O Robert Lepage [diretor e dramaturgo canadense], por exemplo, faz um trabalho maravilhoso. Mas porque ele tem a possibilidade de encenar as loucuras que ele inventa. A possibilidade de encenação dele é ilimitada”.

Faltam publicações
Outra questão que se pode levantar é que esse grande número de “direturgos” não costuma se importar tanto com a publicação dos seus textos, por naturalmente estarem mais preocupados com as suas encenações.

Fátima Ortiz é uma das poucas dramaturgas curitibanas que possui um livro publicado (Coleção 4 textos de teatro para crianças: Batimpaz; Pinha, Pinhão, Pinheiro; Era uma vez outra história; Ari Areia, um grãozinho apaixonado) junto com o marido Enéas Lour, também dramaturgo. Ela reconhece que “no geral, as pessoas escrevem pensando no seu grupo, na sua peça. Não pensam muito que um texto pode transcender a montagem e ficar registrado. Às vezes o dramaturgo nem chega a ter um texto bem acabado”, diz.

César Almeida é outra exceção na cidade por ter editado suas peças na antologia O Teatro da Rainha de 2 Cabeças. Segundo ele, uma publicação é válida “tanto como registro histórico, como para mostrar para outras pessoas que existe uma dramaturgia sendo feita aqui”. Depois que publicou seu livro, três companhias de outras cidades já montaram peças suas, conta César. “É aí que você vê como um livro é um veículo importante. Levar uma montagem para fora está cada vez mais difícil, já a sua dramaturgia pode ser capaz de chegar em outros lugares”, conclui.

Desinteresse das editoras
Os artistas e especialistas também são unânimes em lembrar como é difícil de se publicar teatro contemporâneo no Brasil. Questionada sobre a existência de editoras que façam isso, a professora da Universidade Federal do Paraná (UFPR), Marta Morais da Costa, especialista em dramaturgia brasileira, apenas dá risada. E depois explica: “O Serviço Nacional de Teatro (SNT), depois o Instituto Nacional de Teatro (Inacen), que o ex-presidente Collor extinguiu, publicavam teatro. Depois os autores ficaram nas mãos das editoras comerciais, que tradicionalmente publicam pouca poesia e nenhum teatro”.

Responsável pela produção editorial da Travessa dos Editores, Rubens Campana reconhece que a procura do público por peças ainda é baixa no Brasil e, portanto, há pouco interesse comercial em publicá-las. A própria Travessa dos Editores só possui uma única peça em seu catálogo – Céu de Lona, de Décio Pignatari. Porém, Rubens lembra que recebe pouquíssimos originais de dramaturgos e sugere que eles próprios se articulem para publicar seus trabalhos.

A utilização de leis de incentivo por meio da Fundação Cultural de Curitiba (como fizeram César Almeida e Fátima Ortiz com seus livros) ou de editais promovidos pela Fundação Nacional de Artes (Funarte) pode ser uma saída para que a dramaturgia curitibana seja preservada e não desapareça com o fechar das cortinas.


Alguns dos poucos dramaturgos que possuem peças editadas em Curitiba

César Almeida: O Teatro da Rainha de 2 Cabeças, 2004. Edição do autor, por meio de lei de incentivo.

Hugo Mengareli: O incrível retorno do cavaleiro solitário, 1996. Editora da UFPR.

Fátima Ortiz e Enéas Lour: Coleção 4 textos de teatro para crianças: Batimpaz; Pinha, Pinhão, Pinheiro; Era uma vez outra história; Ari Areia, um grãozinho apaixonado, 1998. Edição dos autores, por meio de lei de incentivo.


* Publicada no Caderno G da Gazeta do Povo 22/03/08

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+ Teatro
+ Reportagem Especial

Quando todos são “autores”
O processo de criação coletiva não é o mais utilizado em Curitiba, mas prova que é capaz de gerar bons resultados

Muito popular nos anos 60 e 70, o sistema de “criação coletiva” de um texto teatral hoje é utilizado em uma escala bem menor pelos grupos existentes em Curitiba. Mesmo assim, a peça vencedora do Prêmio Gralha Azul de melhor espetáculo em 2007 teve seu texto construído a partir da colaboração de uma equipe.

Segundo o diretor Roberto Innocente, diretor da premiada Aconteceu no Brasil enquanto o ônibus não vem, a peça surgiu das pesquisas do grupo A Arte da Comédia sobre a commedia dell’arte – gênero italiano surgido no século XVI, famoso pelo uso de máscaras.

Com o objetivo de montar um espetáculo que abordasse a realidade e os problemas brasileiros, todos os integrantes da Arte da Comédia passaram a trazer material teórico sobre o assunto. Depois, Roberto escreveu um roteiro, de acordo com ele “bem simples”, que foi utilizado como base para improvisações dos atores. “Daí é que surgiram tanto as piadas como as referências históricas da peça, e o texto então foi construído com os atores já em cena”, diz Roberto, que posteriormente apenas organizou e burilou o resultado final.

A diretora e dramaturga Sueli Araújo, que também utiliza um método parecido em sua companhia, a CiaSenhas de Teatro, ressalta, entretanto, que essa forma de criar um texto difere um pouco da que era empregada nas décadas de 60 e 70. “Antigamente, nesse teatro coletivo havia uma questão ideológica de se romper com as hierarquias. Todos faziam tudo e era uma posição contra um teatro burguês que existia”, afirma. “Hoje, ao invés de uma ‘criação coletiva’, é mais correto dizer que existe um ‘processo colaborativo’, em que os componentes de um grupo se articulam para criar um conceito juntos”, explica. “No período de preparação de uma montagem, um diretor levanta propostas que são discutidas por todos, assim como um ator interfere no texto do dramaturgo e este pode interferir na cena do ator. Porém, no fim, as funções de cada pessoa são bem delimitadas, ao contrário do que acontecia no passado”.

A “criação coletiva” na história
Na história do teatro, a criação coletiva já estava presente principalmente no gênero da commedia dell’arte, surgido na Itália do século XVI, visto que as peças eram construídas a partir das improvisações dos atores. Bem mais tarde, na década de 60 do século XX – também por circunstância dos movimentos contraculturais que eclodiam, valorizando a coletividade e a anarquia –, a criação coletiva começou a ser utilizada por grupos de vanguarda como o Living Theatre, nos Estados Unidos, e o Théâtre du Soleil, na França.

O Living Theatre, em especial, visitou o Brasil nos anos 70 e trouxe essa influência ao Teatro Oficina, do diretor José Celso Martinez Corrêa. Um pouco depois apareceram grupos como o carioca Asdrúbal Trouxe o Trombone (que revelaria gente como Regina Cazé e Evandro Mesquita) e o paulistano Pod Minoga (de onde sairia o ator Carlos Moreno, o eterno garoto propaganda da Bombril) que também fizeram uso da criação coletiva.

Em Curitiba, segundo a professora da Universidade Federal do Paraná, especialista em dramaturgia brasileira, Marta Morais da Costa, esse processo coletivo começou a ser empregado no final dos anos 60, por grupos experimentais que se apresentavam no Teatro de Bolso – pequeno teatro que ficava na praça Rui Barbosa – e pelo grupo Escala, do diretor Oraci Gemba.

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12 de mar. de 2008

+ Premiação do teatro curitibano
Noite de Gralhas Azuis
“Aconteceu no Brasil enquanto o ônibus não vem” foi a grande vencedora da 28ª edição do Troféu Gralha Azul


Foto: Centro Cultural Teatro Guaíra

Raquel Rizzo e Zeca Cenóvicz: mestres de cerimônia na festa de ontem.


A commedia dell’arte bem à brasileira “Aconteceu no Brasil enquanto o ônibus não vem”, do diretor italiano Roberto Innocente, foi a grande vencedora da noite, ontem (11), na festa do Troféu Gralha Azul.

Neste evento que celebrou os melhores espetáculos e artistas do teatro curitibano em 2007, a peça “Aconteceu no Brasil...” levou os gralhas de Melhor Espetáculo, Melhor Direção, Melhor Atriz e Melhor Adereço, e mais o Troféu Epidauro, concedido pelo Consulado da Grécia.

O monólogo “Pessoalmente Fernando”, dirigido por Àldice Lopes, e a comédia “O Burguês fidalgo”, dirigida por Humberto Gomes, também estiveram entre os espetáculos mais premiados ontem no Auditório Salvador de Ferrante, levando três prêmios cada um.

A comissão julgadora desta edição do Troféu Gralha Azul foi composta por Regina Vogue, Margie Rauen, Bia Reiner, Jane D’avila e Hermes Patzsch.

Números
59 espetáculos se inscreveram ao prêmio
26 foram indicados
11 foram premiados

Origem do Troféu Gralha Azul
Criado em 1974 pelos artistas Yara Sarmento, Waldir Manfredini, Edson e Delcy D’Ávila, o prêmio é concedido anualmente aos destaques do teatro paranaense.

Desde 1983 a premiação é realizada pelo Centro Cultural Teatro Guaíra em co-promoção com o sindicato dos artistas, SATED/PR, e dos produtores teatrais, SEPED/PR.

Os agraciados recebem uma estatueta em metal concebida pelo artista plástico Ivens Fontoura e uma quantia em dinheiro que varia de acordo com a categoria.

Confira a lista dos vencedores do Troféu Gralha Azul de 2007:

Coreografia
Salete Ukachinski e André Meirelles - “Tanguapo ”

Texto Original ou Adaptado
Marcelo Munhoz - “Caninos Brancos”

Maquiagem
Cristóvão De Oliveira - “Butterfly”

Adereço
Roberto Innocente - “Aconteceu No Brasil Enquanto O Ônibus Não Vem”

Cenário
Márcio Innocenti - “Eu, Joana”

Figurino
Marcelo Salles - “O Burguês Fidalgo”

Sonoplastia
Cesarti - “Pessoalmente Fernando”

Iluminação
Waldo León - “O Sonho De Um Homem Ridículo”

Revelação - atriz/ator e criadores
Áldice Lopes - Direção de “Pessoalmente Fernando”

Ator coadjuvante
Luiz Bertazzo - “O Burguês Fidalgo”

Atriz coadjuvante
Fernanda Magnani - “O Burguês Fidalgo”

Ator
Rafael Camargo - “Pessoalmente Fernando”

Atriz
Martina Gallarza - “Aconteceu No Brasil Enquanto O Ônibus Não Vem”

Composição musical
Edith De Camargo e Marcelo Torrone - “Sobre Tempos Fechados”

Direção
Roberto Innocente - “Aconteceu No Brasil Enquanto O Ônibus Não Vem”

Espetáculo itinerante
"Uma Estória Da Nossa História" - Neiva Camargo Iovanovitchi Promoções Artísticas

Espetáculo para crianças
“O Olho D’Água” - Companhia Pé no Palco

Espetáculo
“Aconteceu No Brasil Enquanto O Ônibus Não Vem” - Ateliê De Criação Teatral

Técnico do ano*
Sérgio Richter

Prêmio especial*
Isidoro Diniz

Troféu Epidauro**
“Aconteceu No Brasil Enquanto O Ônibus Não Vem” - Ateliê De Criação Teatral


*Premiações especiais concedidas pelo Centro Cultural Teatro Guaíra
** Prêmio concedido pelo Consulado da Grécia

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+ Música
As clássicas dos irmãos Barnabé
Arrigo Barnabé e Patife Band, grupo de Paulo Barnabé, dividiram o palco do Teatro da Caixa nos últimos dias 6, 7, 8 e 9. Abaixo, a resenha do show que aconteceu no domingo.

Fundindo rock e punk com técnicas da música erudita, a Patife Band abriu o show de domingo, quase fundindo também, com sua sonoridade tão densa e agressiva, alguns tímpanos mais frágeis e desavisados.

Como os da senhora sentada ao meu lado, que de repente me interpelou: “Escute, e o Arrigo? Cadê ele?” Tive de explicar então que aquela era a banda do Paulo Barnabé, o sujeito que está tocando bateria, apontei, e que é irmão do Arrigo. O Arrigo mesmo só vai entrar no palco daqui a pouco, disse a ela.

Insatisfeita, a mulher me confidenciaria: “Essa música está me dando dor de cabeça! Quanto tempo isso ainda vai durar?”, queria saber. “Acho que uns 15 minutos”, arrisquei, ao que ela apenas suspirou e depois cochichou algo com uma colega que estava ao seu lado.

Após algum tempo, inutilmente eu ainda tentaria estimular minha pobre amiga informando que a letra do estranho punk rock que ouvíamos vinha do “Poema em linha reta”, de Fernando Pessoa: “Viu só? Rock também é poesia!” Mas ela tampouco deu a mínima para o meu comentário.

Depois dessa, Arrigo finalmente entrou em cena com seu piano elétrico, ao lado de Paulo Braga, no teclado. Cantou desde músicas mais descontraídas como “Clara Crocodilo”, “Diversões Eletrônicas” e “Orgasmo total” – que arrancaram risos da platéia –, como também proporcionou momentos mais líricos e introspectivos em “Lenda” e “Cidade Oculta”

Nas suas músicas apenas instrumentais, porém, uma parcela do público ficou visivelmente aporrinhada. E dentre a meia dúzia que deixou o teatro antes do término da apresentação, lá estava ela: a senhora impaciente!

Arrigo ainda tocaria uma música junto com a Patife Band e, por fim, foi o grupo de Paulo Barnabé que se encarregou do bis, com “Corredor Polonês”, o último petardo da noite.

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10 de mar. de 2008

+Teatro
+ Reportagem Especial
Como anda a dramaturgia curitibana?
Artistas e especialistas apontam a existência de uma diversidade de linguagens e muita experimentação

É fato: na pós-modernidade, o texto dramático não é necessariamente o elemento mais importante de uma peça teatral, como lembra Ismael Sheffler, professor do curso de especialização em literatura dramática e teatro da Universidade Tecnológica Federal do Paraná (UTFPR). Mas, mesmo assim, é inegável que a existência de um bom texto ainda pode fazer uma grande diferença no resultado final de uma encenação, o que torna válido, portanto, refletir sobre a qualidade da dramaturgia que vem sendo feita na cidade.

O professor Ismael identifica algumas tendências: “Há um predomínio de textos de comédias em Curitiba, voltados principalmente a um teatro do tipo besteirol. Em parte, porque o público curitibano acaba pedindo isso. Por outro lado, há uma dramaturgia mais contemporânea, que faz muito uso da intertextualidade, e na qual o texto é apenas mais um elemento dentro da encenação. E há também um tipo de dramaturgia que fica num meio termo, com textos mais literários e em formatos mais convencionais”.

Para a atriz, diretora e dramaturga da CiaSenhas de Teatro, Sueli Araújo, a dramaturgia curitibana atravessa uma boa fase: “Vivemos um momento legal. Muitas pessoas se desvincularam da literatura e atores e diretores começaram a produzir seus próprios textos a partir das necessidades do teatro contemporâneo”, explica.

Edson Bueno, ator, diretor e dramaturgo do Grupo Delírio, também vê a nossa dramaturgia com bons olhos: “Há um florescimento da dramaturgia em Curitiba, que vem surgindo através dos alunos da FAP [Faculdade de Artes do Paraná]”, diz ele, citando como exemplo dessa geração a dramaturga Léo Glück, cuja peça Jesus vem de Hannover está em cartaz no Teatro Novelas Curitibanas.

Perigos do experimentalismo
Fátima Ortiz, diretora, atriz e dramaturga da companhia Pé no Palco, levanta algumas questões sobre o número considerável de textos experimentais que circulam na cidade. “O problema é que muita coisa fica apenas nesse experimental. Parece uma sucessão de idéias diversas, costuradas de forma muito frágil”, diz ela. “Muitas vezes falta unidade, e não é que eu esteja reclamando de uma falta de uma linearidade. Isso não é um problema. O que falta é uma trama dramatúrgica mesmo. Senão a peça fica parecendo um show de variedades”.


César Almeida, ator, diretor e dramaturgo da companhia Rainha de 2 Cabeças, também concorda com Fátima: “Tem muita gente fazendo um teatro experimental, mas fazendo para aprender a fazer, para desenvolver novas linguagens. Isso por um lado é bom, mas também pode ser ruim para o público quando a coisa não dá certo, quando são experimentos chatos”.

Para o professor Ismael Scheffler, uma crítica de teatro especializada poderia facilitar a relação do grande público com uma dramaturgia menos convencional: “O público comum tem mais dificuldade para aceitar esse tipo de texto mais ousado. Afinal, o brasileiro está mais acostumado a uma linguagem televisiva ou algo mais próximo da literatura. Ele espera ver um teatro clássico, dividido em atos, escrito de forma linear”, diz ele. “O que falta na cidade são críticos para formar esse público e introduzi-lo a uma dramaturgia contemporânea”, conclui.

***

Exemplos de dramaturgos jovens que despontam na cidade
Andrew Knoll, autor de Box’s.
Léo Glück, autora de Jesus vem de Hannover.
Luiz Fellipe Leprevost, autor de Tua passividade me embrutece.
Marcos Damaceno, autor de Sobre Tempos Fechados.

Alguns dos dramaturgos já consolidados na cena local

César Almeida, autor de Hamletrash.
Edson Bueno, autor de Capitu, Memória Editada.
João Luiz Fiani, autor de Nem Freud Explica.
Paulo Biscaia, autor de Morgue Story.
Sueli Araújo, autora de Bicho corre hoje.


Escritores locais que já escreveram para teatro
Cristovão Tezza, adaptou seu romance Trapo para o teatro.
Jamil Snege, autor de As Confissões de Jean Jacques Rousseau.
Manoel Carlos Karam, autor de O velório de Joaquim Silvério dos Reis.


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+ Teatro
+ Reportagem Especial
É possível formar dramaturgos?
Com a falta de cursos voltados à dramaturgia no Brasil, autores buscam formação por conta própria

Se no Brasil há diversos cursos de graduação e pós-graduação para atores e diretores, por outro lado não há cursos voltados para a profissionalização de dramaturgos, como vêm surgindo na Europa e nos Estados Unidos. Sendo assim, como se dá a formação desses artistas no país e, mais especificamente, em Curitiba?

“Os nossos dramaturgos, no geral, são amadores”, diz a professora da Universidade Federal do Paraná (UFPR), especialista em dramaturgia brasileira, Marta Morais da Costa. “Muitos nem estudam, não lêem. A coisa vem de dentro e sai como Deus quer. Ou não quer”, provoca.

Edson Bueno, ao contrário, se coloca no grupo de autores que fazem questão de estudar por conta própria: “Como autodidata, eu estudo muito o texto de teatro. Fico decupando as peças dos grandes autores e tento observar como eles conseguiram chegar a determinados resultados”, diz o diretor, ator e dramaturgo do Grupo Delírio.

“É preciso que um dramaturgo aja em prol da sua formação”, reforça Ismael Scheffler, professor da Universidade Tecnológica Federal do Paraná (UTFPR), do curso de especialização em literatura dramática e teatro. “Um artista, mesmo que se considere um intuitivo, constrói algo a partir da cultura em que está inserido. Sendo assim, tudo o que ele fizer para expandir essa cultura, expandir essa formação, será benéfico para ele”.

Segundo Ismael, um curso como o de especialização em dramaturgia promovido pela UTFPR, mesmo que não esteja centrado na produção de textos, e sim nos estudos, é válido para autores teatrais em potencial: “A dramaturgia precisa passar por um processo de reflexão”, defende.

Oficinas e bolsas para dramaturgos
Questionada sobre a possibilidade da Faculdade de Artes do Paraná (FAP) promover uma habilitação em dramaturgia, assim como acontece na Faculdade de Artes de Berlim, por exemplo, a atriz, diretora, dramaturga e professora de interpretação da FAP, Sueli Araújo, acredita que isso seja pouco provável. Segundo ela, a FAP ainda está reelaborando os currículos das habilitações existentes, que ainda remontam ao tempo da ditadura. “Mas é possível que surjam cursos de extensão em dramaturgia no futuro”, diz ela.

Fátima Ortiz, diretora, atriz e dramaturga da companhia Pé no Palco, constata que existem muitas pessoas interessadas em se aprimorar na dramaturgia, e conta que ela mesma é muito procurada por autores iniciantes que vêm lhe pedir conselhos. Fátima lembra que normalmente em festivais de teatro costumam acontecer alguns workshops voltados para a área, mas que isso ainda é insuficiente para atender todo mundo.

Nesse sentido, as oficinas de dramaturgia que a Fundação Cultural de Curitiba (FCC) vem promovendo tentam preencher essas lacunas. Beto Lanza, diretor de ação cultural da FCC, lembra também que desde o ano passado a fundação criou o edital Oraci Gemba (aberto novamente este ano), que oferece um auxílio financeiro para que dramaturgos desenvolvam seus projetos. Depois de criados os textos, são realizadas leituras dramáticas e as peças são registradas em uma antologia.

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Teatro Lala promove concurso de dramaturgia

Outra forma importante de estimular a produção dramatúrgica é através da realização de concursos. Este ano, por exemplo, o Teatro Lala Schneider oferece prêmios de R$ 1 mil para as melhores peças, nas categorias tragédia e comédia, que depois serão encenadas pela própria Fundação Teatro Lala Schneider.

“O objetivo do concurso é descobrir novos autores”, diz Jader Alves, um dos responsáveis pela organização do certame. “Às vezes as pessoas escrevem, mas se sentem envergonhadas para enviar seus textos às companhias, ou então não sabem como fazer isso. O concurso serve pra que as pessoas tirem seus textos da gaveta”, explica.

Sobre o concurso
As inscrições para o concurso começaram em janeiro e os dramaturgos ainda podem enviar suas peças até o dia 10 de março. Numa primeira fase, uma banca selecionará 10 textos com os quais serão realizadas leituras dramáticas. A partir disso serão escolhidos os dois trabalhos vencedores.

Segundo Jader Alves, até agora foram recebidos cerca de 15 textos, e a maioria deles escritos por pessoas desconhecidas no meio teatral – o que vem de encontro a uma das intenções do concurso. Sobre a qualidade das peças, Jader se diz satisfeito: “A maioria tem boas idéias. Só que, em algumas, você percebe a falta de conhecimento do autor sobre o funcionamento do teatro na prática – o que a gente chama de carpintaria teatral. Mas também não é nada que um diretor depois não possa dar um jeito.”

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Para autores teatrais:

Oficinas de dramaturgia
Promovidas pela Fundação Cultural de Curitiba, as oficinas acontecem quinzenalmente às quintas-feiras, das 19h às 23h, no Palacete Wolff (Praça Garibaldi, nº 7). Informações pelo tel.: 3321-3205.

Curso de especialização em literatura dramática e teatro
Promovido pela UTFPR, o curso tem duração de um ano e visa desenvolver o pensamento crítico sobre as articulações entre o discurso literário e o fazer artístico. Maiores informações através do site
www.utfpr.edu.br

Edital Oraci Gemba – Fomento em Literatura Dramática
Promovido pela Fundação Cultural de Curitiba, seleciona seis dramaturgos curitibanos e oferece R$ 10 mil para que cada um desenvolva um projeto de peça. Os textos criados são registrados em uma antologia e também são realizadas leituras dramáticas a partir deles. Informações pelo site:
http://www.fundacaoculturaldecuritiba.com.br/

Bolsas Funarte de estímulo à dramaturgia
A Fundação Nacional de Artes (Funarte) seleciona dois dramaturgos de cada região do país e oferece R$ 30 mil para cada um deles desenvolver um projeto de peça. Informações pelo site:
http://www.funarte.gov.br

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6 de mar. de 2008

+ Teatro
Um melodrama cine-teatral
Os Farsantes, peça dirigida por Geraldo Kleina, vale por algumas tiradas de humor e pelo seu espírito crítico



Os Farsantes: as eternas discussões levantadas por Cesar Almeida (sobre o preconceito aos homossexuais, a corrupção na política, as hipocrisias da sociedade etc.) estão presentes na peça.

Mais do que a visão de uma mulher moribunda no centro do palco, a primeira coisa que chama a atenção dos espectadores na peça Os Farsantes, em cartaz no Espaço Falec, é o tapume negro, disposto na horizontal e com cerca de 1 metro de altura, que se interpõe entre a atriz e platéia.

Acima desse tapume, há um outro que parte do teto e se prolonga para baixo, de forma que a boca de cena acaba “enquadrada” como uma tela widescreen de cinema.

Tal efeito combina mesmo com as referências cinematográficas da peça, que aparecem tanto nos curiosos nomes de alguns personagens – como a filha “Winona” (Luciane Figueiredo) e o médico “Brad” (Cesar Almeida), marido de “Angelina” – quanto no estilo do enredo, digno daqueles melodramas rocambolescos que costumavam passar no Supercine, anos atrás.

Prestem atenção: “doente em estado terminal, a rica atriz aposentada Lily (Lala Scremin) é pressionada pela filha Rebeca (Kassandra Speltri) e pelo genro Robert (Ade Zanardini) para que ceda sua herança a eles. Ao mesmo tempo, Lily passa a ser assombrada pelo fantasma de seu filho Sony (Cláudio Fontan)”.

O problema é que essa triste história logo se mostra pouco empolgante. Sua porção trágica não é capaz de nos comover, tendo em vista a precariedade da trama que envolve os personagens, ao mesmo tempo em que a sua porção cômica igualmente não deslancha.

A peça até ganha doses de energia sempre que alguém entra na “sala do hospital” e mexe com os brios de Lily, mas o pique acaba caindo assim que começam os diversos solilóquios dos atores.

Vez ou outra, algumas tiradas também conseguem sacudir esse marasmo. Como quando Robert, um político em plena campanha eleitoral, diz que “marcou um almoço com os executivos da Copel”, ou então quando ele fala que os atores são “piores do que putas; nem nos fazer gozar eles conseguem”.

Passagens como essas, somadas às polêmicas levantadas ao longo da peça – sobre o preconceito aos homossexuais, o uso de drogas, a legitimidade da eutanásia, entre outras – pelo menos divertem e provocam o público por alguns momentos.

Serviço
Os Farsantes. Direção: Geraldo Kleina. Texto: Cesar Almeida. Espaço Cultural Falec (Rua Mateus Leme, 990), de quarta a sábado, às 21 horas; domingo, às 19 horas, até o dia 16 de março. R$ 14,00 (inteira) e R$ 7,00 (meia-entrada).
Durante o Festival de Teatro, em cartaz também no Espaço Cultural Falec. Sessões nos dias 20 e 21, às 21h. Dias 22, 23 e 24, às 15h.

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+ Literatura
Um pretexto para falar de Döblin
2007 foi o ano do cinqüentenário de morte do escritor alemão Alfred Döblin

Alfred Döblin (1878 – 1957): um escritor, segundo Günther Grass, “de igual mérito ou maior do que Thomas Mann”.

Como vocês bem sabem, comemorar tantos anos de morte ou até da hipotética vida de um artista - “se Zequinha estivesse vivo, completaria hoje 100 anos...” - é sempre um gancho jornalístico. Idiota, muitas vezes, principalmente quando não se acrescenta nada de novo sobre o falecido.

Portanto, é com uma certa dose de vergonha que farei uso desse combalido artifício neste texto. Mas como não tenho notícia de novas traduções para a obra do escritor alemão Alfred Döblin, nem ouço falar de adaptações de seus livros para o cinema ou teatro, só me resta falar aqui do seu cinqüentenário de morte. No ano que passou, parece que ninguém, no Brasil, lembrou que Döblin faleceu no dia 26 de junho de 1957.

Ao longo de 79 anos de vida, este escritor, médico psiquiatra e intelectual escreveu mais de 30 livros e conquistou a admiração de conterrâneos como Bertolt Brecht, Walter Benjamin, Kurt Tucholsky e Günther Grass. Este último chegou a criar um prêmio literário com o seu nome, o Alfred Döblin Preis, mantido pela Academia de Arte de Berlim.

Traduções escassas
Para aqueles que nunca ouviram falar de Alfred Döblin e talvez depois pretendam procurar por seus livros, é bom que se avise: o que existe de sua obra em português dá para se contar nos dedos.


Resume-se ao ensaio O Romance Histórico e Nós (Der historische Roman und wir), ao conto O Assassinato de um Dente-de-Leão (Die Ermordung einer Butterblume), ao relato autobiográfico Viagem ao Destino (Schicksalsreise) e ao romance Berlim Alexanderplatz, sua principal obra. (Saiba mais sobre esses textos em “Bibliografia disponível em português”).

E não pensem que as traduções de Döblin são escassas só em língua portuguesa. Basta pesquisar na Internet e no catálogo de bibliotecas do Instituto Goethe para se constatar que em outros idiomas, como inglês e espanhol, também o autor é pouco traduzido.

Eis porque estudar alemão, apesar de tarefa hercúlea, tem suas vantagens. Só assim para se conhecer a fundo todo o universo criativo de Alfred Döblin.

*Publicada na Revista Mediação nº10

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O indivíduo no caos da metrópole
Berlim Alexanderplatz apresenta os descaminhos de um ex-presidiário que luta para sobreviver na selva da cidade


Cena de Berlim Alexanderplatz na versão de Fassbinder.

Felizmente, temos a principal e mais conhecida obra de Alfred Döblin traduzida para o português – na versão de Lya Luft, para a Editora Rocco, e na de Sara e Teresa Seruya para as Publicações Dom Quixote.

Publicado em 1929, em plena República de Weimar, o romance Berlim Alexanderplatz apresenta a saga do ex-presidiário Franz Biberkopf, que depois de solto procura reconstruir sua vida e andar nos eixos.

Nessa história, o autor conseguiu reproduzir com perfeição a atmosfera caótica de uma grande metrópole. Franz está sempre em meio a uma multidão de outros personagens tão humildes e amaldiçoados quanto ele, e um narrador onisciente (sempre irônico!) faz questão de incorporar ao seu discurso – que mescla tanto o alemão padrão como o dialeto berlinense – uma avalanche de informações esdrúxulas, oriundas das mais diversas fontes, como jornais, anúncios ou textos científicos.

Para se ter uma idéia, na passagem que descreve como Franz matou sua ex-mulher com uma batedeira, o narrador chega a invocar a lei de Newton de ação e reação para explicar tal fato. Por tudo isso, o livro foi comparado em ousadia ao Ulysses (1922) de James Joyce.

Adaptações
Grande fã de Berlim Alexanderplatz, o diretor alemão Reiner Werner Fassbinder fez uma adaptação do romance para a TV, em 1980, com 15 horas de duração. Antes disso, o livro já tinha sido adaptado para o cinema com um roteiro do próprio Alfred Döblin e dirigido por Phil Jutzi em 1931 – entretanto com duração (o filme tem uma hora e meia) e resultado bem mais modestos.

Em 2005, foi a vez do livro virar peça de teatro. Frank Castorf, diretor da companhia alemã Volksbühne, encenou a obra na Schlossplatz, praça que fica ao lado da Alexanderplatz, em Berlim.


*

Trecho do posfácio de Alfred Döblin para uma reedição de Berlim Alexanderplatz em 1955. (Tradução de Sara Seruya e Teresa Seruya)



(...) Pensava ele [Franz Biberkopf], acabado de sair da cela, que era possível iniciar uma vida novinha em folha, fresca, foliona, livre. Mas lá fora nada tinha mudado, e ele próprio continuava o mesmo.

Como havia de sair dali um novo resultado? Manifestamente, só na medida em que um dos dois fosse destruído, ou Berlim ou Franz Biberkopf. E como Berlim se manteve como era, coube a Franz modificar-se.

Portanto, o tema mais fundo reza: o sacrifício é o caminho, oferecer-se a própria pessoa em sacrifício. E bem cedo brotam no livro, também para quem sabe ler, os temas do sacrifício: o bíblico Abraão está para sacrificar o filho único ao Deus supremo, somos conduzidos ao matadouro no Leste da cidade para assistir à morte de animais.

Franz Biberkopf queria o bem, mas o que era isso mais do que uma palavra? Faço-o passar pela ala dos açoites, as desgraças sucedem-se: Biberkopf à caça do Bem, uma caça de olhos fechados, tendo um cavalo desenfreado por baixo, quando é que os dois, cavalo e cavaleiro, irão partir o pescoço? No fim parecem ter partido o pescoço.

Mas quando Franz vai parar ao manicômio, alguma coisa, apesar de tudo, mudou nele. O sacrifício consumou-se sem o mínimo ruído. Como consta do final, ei-lo porteiro duma fábrica, vivo mas escangalhado, a vida apoderou-se violentamente dele.

Este livro, cuja publicação em folhetim foi recusada pelos dois mais importantes jornais liberais de Berlim, veio a sair em folhetim no velho Frankfurter Zeitung, causando já na altura grande sensação.

Depois de publicado, Berlim Alexanderplatz revelou-se best-seller, seguindo-se-lhe edições atrás de edições e traduções mais ou menos boas. E quando se falava no meu nome, acrescentava-lhe Berlim Alexanderplatz. Mas o meu caminho estava longe do seu termo.

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Cronologia de Alfred Döblin



1878: Filho de Max Döblin e Sophie Freudeheim, Alfred Döblin nasce a 10 de agosto, em Stetting (que nessa época é uma cidade prussiana – a partir de 1945 passa à Polônia).

1888: Max abandona a família e vai para os Estados Unidos com uma moça vinte anos mais nova do que ele. Sophie, Alfred e mais seus quatro irmãos se mudam para a parte leste de Berlim, passando por um período de grandes dificuldades financeiras.

1905 - 1911: Conclui a faculdade de medicina. Atua como médico assistente em hospitais e sanatórios, até se especializar como psiquiatra. Também escreve artigos e contos que são publicados na revista expressionista Der Sturm.

1912: Döblin se casa com a estudante de medicina Erna Reiss, com quem terá quatro filhos.

1913: Publica a coletânea de contos Die Ermordung einer Butterblume (O Assassinato de um Dente-de-Leão).

1924: Torna-se presidente da Associação de Escritores Alemães.

1929: Publica seu maior sucesso, Berlim Alexanderplatz.

1933: Com a tomada do poder pelos nazistas, Döblin, sua mulher e filho mais novo partem para a Suíça e depois para a França.

1936: Döblin adquire cidadania francesa.

1940: Com a chegada de tropas nazistas à França, Döblin e sua família migram para a Espanha e depois para Portugal. De lá, vão para os Estados Unidos. Döblin se instala na cidade de Los Angeles, Califórnia, e começa a trabalhar como roteirista para a Metro Goldwyn Mayer.

1941: Döblin, que havia nascido em uma família judia, converte-se ao catolicismo.

1945: Döblin volta a Paris. Depois, torna-se oficial de cultura do governo francês em Baden-Baden, na Alemanha.

1956: Publica seu último romance, Hamlet oder Die lange Nacht nimmt ein Ende (Hamlet ou A longa noite chega ao fim).

1957: Bastante enfermo com o mal de Parkinson, Döblin se interna numa clínica em Freiburg. Aos 79 anos, morre na cidade vizinha, Emmendigen, em 26 de junho.

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Bibliografia de Alfred Döblin
disponível em português

Die Ermordung einer Butterblume
(O Assassinato de um Dente-de-Leão)
Reunião de contos, publicada em 1913. O conto que dá título ao livro foi traduzido para o português por Marcelo Backes e integra a antologia Escombros e caprichos – o melhor do conto alemão no século XX, L&PM, 2004.

Berlin Alexanderplatz. Die Geschichte vom Franz Biberkopf
(Berlim Alexanderplatz. A História de Franz Biberkopf)
Este “romance de metrópole”, publicado em 1929, é a obra mais importante e mais conhecida do autor. Foi traduzido para o português pelas Publicações Dom Quixote, em 1992, e pela Editora Rocco, em 1995.

Der historische Roman und wir
(O Romance Histórico e Nós)
Artigo publicado em Moscou no ano de 1938. Foi traduzido para o português por Marion Brepohl de Magalhães e pode ser encontrado na Internet em formato PDF.


Schicksalsreise
(Viagem ao Destino)
Publicado em 1949, é um relato autobiográfico sobre o período em que Döblin viveu exilado. Foi traduzido por Sara Seruya para as Edições Asa, em 1996.



Sobre Alfred Döblin

BENJAMIN, W. Magia e técnica, arte e política: ensaios sobre literatura e história da cultura. Brasiliense, 1994.

DOLLENMAYER, David B. The Berlin Novels of Alfred Döblin: Wadzek's Battle with the Steam Turbine, Berlin Alexanderplatz, Men without Mercy and November, 1918. Berkeley. University of California Press, 1988.

BERNHARDT, Oliver. Alfred Döblin. Deutscher Taschenbuch Verlag, 2007.


Na Internet

Sociedade Internacional Alfred Döblin: www.alfred-doeblin.de

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