10 de fev. de 2008

+ Leituras
Walking on the wild side,

com William Burroughs


Junto com On The Roud (publicado em 1957), de Jack Kerouac, Junky (1953) é um dos marcos da literatura beat.

Foi ao som de “Walk on the wild side”, que eu terminei minha leitura de Junky, na edição comemorativa dos 50 anos da obra (tradução de Ana Carolina Mesquita, Ediouro, 2005, 286 págs.). Fazia tempo que eu estava para ler esse livro.

Enfim, pude constatar que ele realmente não é nada imperdível. Porém, sua narrativa – extremamente simples e que não busca trazer grandes surpresas nem desenvolver personagens – acabou me agradando mais do que eu esperava.

Burroughs se limita mesmo a descrever como começou e se desenvolveu a sua relação com as drogas, intercalando essas suas memórias com uma série de pequenas reflexões. Tirante isso, pela objetividade com que o autor descreve as situações mais bizarras e pelo distanciamento emocional diante delas, o texto adquire um formato que se aproxima do jornalístico.

Burroughs não dramatiza, não romanceia. Mantem-se cool o tempo todo e ainda faz diversas tiradas sarcásticas, como esta:

No French Quarter, há vários bares gays tão lotados que toda noite as bichas vazam nas calçadas. Qualquer lugar cheio de bichas me dá arrepios. Elas se balançam como marionetes controladas por fios invisíveis, elétricas na atividade repulsiva da negação de tudo aquilo que é vivo e espontâneo. (pág. 136)

O detalhe é que Burroughs era homossexual e vivia freqüentando esses bares.

Outro mérito do autor são as diversas análises que ele faz sobre a sua época. Burroughs reflete sobre as políticas antidrogas nos Estados Unidos – que ele considera corruptas e hipócritas –, denuncia o sistema de saúde que não privilegia os viciados, desmente conceitos, segundo ele “enganosos”, sobre os narcóticos, faz diagnósticos contundentes sobre aspectos sócio-econômicos de certas regiões do país e, por fim, apresenta um pouco de sua visão sobre o movimento hipster/beat que estava se formando.

Parece faltar energia e curtição espontânea da vida dos jovens hipsters. A simples menção de fumo ou de droga os deixa em estado frenético, como se houvessem acabado de se injetar cocaína. Pulam por todos os lados e gritam: “Demais! Muito louco! Cara, vamos lá! Vamos chapar”. Mas depois de um pico afundam na cadeira como bebês resignados, esperando que a vida lhes traga a mamadeira novamente. (pág. 223)

Palavras de um veterano na arte da malandragem.

Marcadores: , , , ,

1 de fev. de 2008

+ Leituras
Finos no tamanho e na prosa

“No verão as pessoas procuram leituras leves, como bolachas de chope, rótulos de bronzeador e romances policiais.”
(Luís Fernando Veríssimo, no conto O Caso Ló )

Aproveitando o mote de Luís Fernando Veríssimo, eis aqui dois livros finos - no tamanho e na prosa - que sugiro a vocês como boas leituras de verão: os contos de Ronda Noturna, de Cadão Volpato, e a novela Um Crime Delicado, de Sérgio Sant'Anna.


Ronda Noturna (Iluminuras, 1995, 95 págs.)

Os cinco contos deste primeiro livro de Cadão Volpato (que além de escritor é jornalista e músico) podem ser lidos de uma sentada. Descrevê-los, porém, é um tanto difícil. Muita coisa acontece neles, mas nada de realmente conclusivo. São histórias que não possuem bem um começo. Elas já começam pelo meio, em desenvolvimento, e terminam sem apresentar uma conclusão.

Depois que o seu pai morre, como será o futuro de Lotte, a garota germanófila cujo nome dá título a um conto? Não há como saber. Em A Sagrada Família é um Imenso Dente Podre, por exemplo, somos levados a conhecer lembranças de infância de um narrador, lembranças que são trazidas à tona com vivacidade e, algumas páginas depois, são interrompidas, sem mais nem menos.

O mesmo acontece em Constelação, em que temos a história de um grupo de pessoas que assalta um banco, fingindo ser da quadrilha de Carlos Marighuella. O conto termina no meio de uma fuga, até então bem sucedida, para Santos. Já em O Professor da Noite, Cadão faz um recorte do decadente cotidiano de um professor trotskista, enquanto em Ronda Noturna temos trechos da vida de um heroinômano que, em crise com a esposa no Brasil, vai passar uma temporada na Holanda, na casa de um amigo.

Se por um lado a ausência de finais de impacto nesses contos pode desagradar certas pessoas, a riqueza de detalhes descritivos que Cadão apresenta em seu texto e a completa imprevisibilidade no desenvolvimento desses enredos faz com que a leitura deste livrinho seja deveras instigante e prazerosa.



Um Crime Delicado (Companhia das Letras, 1997, 132 págs.)

Nesta novela (que em 2005 virou filme dirigido por Beto Brant) do carioca Sérgio Sant’Anna, o narrador é um crítico de teatro chamado Antônio Martins, um sujeito excêntrico e de meia-idade, que é acusado de um crime e, portanto, escreve um livro a fim de fornecer as suas versões sobre os fatos.

Nesse sentido a obra se aproxima da novela O Túnel (1948), do argentino Ernesto Sábato, em que um pintor narra como assassinou a única mulher que compreendia os seus quadros. Todavia, diferente de O Túnel, Um crime Delicado não é nem um pouco trágico ou sério. No fundo é apenas uma comédia intelectual amarrada pelo mistério do suposto crime, que não vou revelar aqui.

Tudo bem que eu esperava mais da personagem Inês, a inusitada musa por quem o crítico se apaixona. Gostaria igualmente que os personagens da “gangue” do pintor Vitório Brancatti fossem mais bem desenvolvidos, assim como o processo criminal movido contra o crítico poderia ter um desdobramento maior... Enfim, o desfecho da história toda poderia ser melhor, mas a leitura do livro vale pelo humor refinado – que surge quando o narrador assume as suas fraquezas e o seu lado patético – e pelas interessantes reflexões sobre o ofício de um crítico.

“(...) Expliquei que o crítico é um tipo muito especial de artista, que não produz obras mas vai apertando o cerco em torno daqueles que o fazem, espremendo-os, para que eles exijam de si sempre mais e mais, na perseguição daquela obra imaginária, mítica, impossível, da qual o crítico seria co-autor.”

(Trecho de Um Crime delicado, pág. 28)

Marcadores: , , , ,