23 de nov. de 2007

+ Cinema
Acima de tudo,
um bom filme de ação
Tropa de Elite encantou o grande público não por bater de frente com problemas caros ao país, como a corrupção, o tráfico de drogas e a violência, mas simplesmente por ser um bom filme de ação

André Ramiro (esq.) e Caio Junqueira (dir.) formaram uma bela dulpa como os soldados Matias e Neto.
Com Tropa de Elite, o brasileiro sacia momentaneamente a vontade de assistir a seus próprios filmes de ação e guerra.
Capitão Nascimento é finalmente o nosso Rambo, o nosso John Miller (para quem não se recorda, de O Resgate do Soldado Ryan), o nosso Willard (de Apocalispe Now). Já o Rio de Janeiro é impressionante como faz bem o papel do nosso Vietnã, da nossa Coréia, do nosso Afeganistão.
Tropa de Elite alcançou o sucesso não só por se posicionar de forma contundente diante do problema da corrupção, do tráfico de drogas e da violência urbana - o que acababou levantando discussões na mídia, do tipo se o filme tinha um discurso fascista ou não. A verdade é que Tropa de Elite encantou o público por ser simplesmente um bom filme de ação.
Sua principal qualidade reside no roteiro consistente, dotado de uma narrativa empolgante. O filme já começa em alta, com os soldados Neto (Caio Junqueira) e Matias (André Ramiro) se metendo em confusão, para depois retroceder e esclarecer as histórias, sem perder o pique.
A atuação da maioria dos atores também foi outro ponto forte da película de José Padilha. Tal como em Cidade de Deus, os diálogos não foram todos decorados. O que havia eram situações estabelecidas aos atores, que a partir dali tinham que improvisar.
Graças ao seu já reconhecido carisma e a sua cara de caveira (reparem!), Wagner Moura se saiu bem como Capitão Nascimento, mas não foi dele a melhor atuação do filme.
Quem mais se destacou foi o rapper e ex-bilheteiro André Ramiro, que até então nunca tinha atuado na vida. Sua interpretação para o cerebral Matias foi bastante segura e natural.

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14 de nov. de 2007

+ Literatura
Dono de um talento tão grande quanto o seu ego,
escritor Norman Mailer morre aos 84 anos

Por Charles MacGrath, do www.nytimes.com
Tradução: Franco Caldas Fuchs

Norman Mailer, o combativo, controverso e desinibido romancista, que foi mais longe do que qualquer outro escritor de sua geração nas letras americanas, morreu ontem (10) cedo em Manhattan. Ele tinha 84 anos. Segundo a família, a causa da morte foi uma falência renal aguda.

O senhor Mailer despontou na cena literária em 1948 com “Os Nus e os Mortos”, um romance parcialmente autobiográfico sobre a Segunda Guerra Mundial, e por seis décadas raramente esteve longe do centro das atenções.

Ele publicou mais de 30 livros, incluindo romances, biografias e escritos não-ficcionais, e ganhou duas vezes o Prêmio Pulitzer por “Exércitos da Noite” (1968) – o qual também lhe valeu o National Book Award – e “A Canção do Carrasco” (1979).

Ele também roteirizou, dirigiu e atuou em diversos filmes de baixo orçamento, ajudou a fundar o jornal The Village Voice e por muitos anos foi um convidado freqüente em talk-shows na televisão, onde emitia opiniões provocantes – algumas vezes com coerência, outras não.

O senhor Mailer pertencia à velha escola literária que considerava um romance como uma aventura empreendida por personagens heróicos com egos a se confrontar. Ele foi claramente o escritor mais ambicioso de sua era e via a si mesmo em competição não apenas com seus contemporâneos, mas com Tolstoi e Dostoievski.

Dos escritores, ele foi o menos tímido e o que menos temeu correr riscos. Ele corajosamente procurou a atenção pública e a publicidade inevitavelmente o seguia nas poucas ocasiões em que ele tentou evitá-la. Suas orelhas grandes, peito inflado, admiráveis olhos azuis e suas madeixas eriçadas – de um negro escuro no início e cor de neve ultimamente – fizeram dele alguém instantaneamente reconhecível, uma celebridade bem antes que a maioria dos autores fossem postos em evidência.
Em diferentes fases da sua vida o senhor Mailer foi um prodigioso bebedor e usuário de drogas, um mulherengo, um homem de família devotado, um político em potencial que concorreu à prefeitura de Nova York, um hipster existencialista, um militante anti-guerra, um opositor à liberação feminina e um irascível debatedor sobre todos os assuntos, que com a menor provocação não hesitava em convidar seu oponente para uma queda de braço ou uma troca de socos. Sempre que encontrava um crítico ou um resenhista, mesmo que este fosse amigável, Mailer cerrava os punhos e fazia pose de luta.

Gore Vidal, com quem ele freqüentemente discutia, uma vez escreveu: “Mailer está sempre para nos fazer uma de suas revelações ou para nos dizer algo que simplesmente precisamos saber. Toda vez que fala ele precisa se tornar mais ousado, mais barulhento; precisa carregar nas tintas e levantar mais bandeiras estúpidas.

Ainda sim, de todos os meus contemporâneos eu guardo a maior afeição por Norman como uma força e um artista. Ele é um homem cujos erros, embora numerosos, acrescentam a ele ao invés de diminuir a soma de suas conquistas.”

O Senhor Mailer foi um trabalhador incansável que, até pouco antes de morrer, estava escrevendo uma seqüência para o seu romance de 2007, “O Castelo na Floresta”.

Se alguns de seus livros escritos rapidamente e sob pressão por questões financeiras não eram tão bons como ele esperava, nenhum deles foi irrelevante ou deixou de levar a sua marca distinta. E se ele nunca realmente conseguiu criar o que ele chamava de “o grande romance americano”, não foi por falta de tentativa.

Ao longo do caminho, ele transformou o jornalismo americano ao introduzir nele algumas das técnicas do romancista e ao colocar no centro da reportagem um personagem brilhante, saboroso e maior que a vida, o qual era ninguém menos do que o próprio Norman Mailer.

Um filho paparicado

Norman Kingsley Mailer – ou, em hebraico, Nachem Malek – nasceu em Long Branch, Nova Jérsei, em 31 de janeiro de 1923. Seu pai, Isaac Barnett Mailer, conhecido como Barney, era um emigrado sul africano de roupas vistosas – ele às vezes usava polainas e caminhava com uma bengala – e um péssimo homem de negócios.

A figura dominante na família era a mãe, Fanny Schneider, que vinha de uma família de Long Branch. O pai de Fanny tinha uma mercearia e era o rabi não-oficial da cidade. Embora outra criança, Bárbara, tenha nascido em 1927, Norman continuou sendo o favorito de sua mãe.

Quando Norman tinha 9 anos, sua família se mudou para Crown Heights, no Brooklyn. Paparicado e bem dotado intelectualmente, obteve êxito na escola e no colégio, o qual concluiu em 1939.

Aos 16 anos entrou como calouro em Harvard, onde apareceu vestindo uma jaqueta marrom, calças listradas de verde e azul e sapatos brancos de couro. Colegas lembram dele como um atrevido orelhudo que se gabava de suas experiências sexuais. (Que eram poucas, na verdade. Uma falha que ele rapidamente buscou corrigir.)

O senhor Mailer pretendia se formar em engenharia aeronáutica, mas no segundo ano de faculdade ele se apaixonou pela literatura. Passou o verão lendo e relendo o “Studs Lonigan” de James T. Farell, “Vinhas da Ira” de John Steinbeck e “U.S.A” de John Dos Passos, e começou a escrever um texto de três mil palavras por dia, acreditando que assim poderia eliminar a má escrita de seu corpo.

Em 1941 ele estava suficientemente purificado para vencer o prêmio Story Magazine de melhor conto escrito por um universitário.

O senhor Mailer se formou em Harvard em 1943, determinado a seguir uma carreira literária, e começou um romance (nunca publicado) de cem páginas sobre um manicômio, enquanto esperava para ser convocado para a guerra. Foi chamado para o Exército na primavera de 1944, depois de se casar com Bea Silverman em janeiro, e então foi enviado às Filipinas.
O senhor Mailer presenciou poucos combates na guerra e terminou sua carreira militar como cozinheiro no Japão ocupado pelos americanos. Mas sua experiência de guerra, em particular uma única patrulha feita na ilha de Leyte, tornou-se o material bruto para “Os Nus e os Mortos”, livro que o colocou no mapa.

O senhor Mailer escreveu o romance (que trata de um pelotão de 13 homens lutando contra os japoneses num atol do pacífico) em mais ou menos 15 meses, e este logo foi universalmente aclamado – a última vez que isso iria acontecer a Mailer. Alguns críticos situam o trabalho entre os melhores romances de guerra já escritos.

“Os Nus e os Mortos” vendeu 200 mil cópias em apenas três meses – um grande feito naqueles dias – e continua sendo o maior sucesso literário e comercial do senhor Mailer, mesmo sendo em parte obra de um aprendiz que deve muito de seus créditos a Dos Passos, Tolstoi e Farrell.

O senhor Mailer depois diria sobre isso: “Parte de mim pensava que era possivelmente o melhor livro escrito depois de ‘Guerra e Paz’. Por outro lado, eu também pensava: ‘eu não sei nada sobre o que é escrever. Sou virtualmente um impostor’”.

Ousando o desconhecido

Seu segundo livro, “Costa Bárbara” (1951), um romance político sobre, entre outras coisas, a luta entre capitalismo e socialismo, recebeu o que o senhor Mailer chamou de “possivelmente as piores resenhas a um romance sério nos últimos anos”. O terceiro livro, “Parque dos Cervos” (1955), em parte um relato ficcional dos problemas de Elia Kazan com o Comitê de Investigações de Atividades Anti-Americanas, teve um sucesso um pouco melhor, e pelo resto da década Mailer não escreveu mais nenhuma ficção.

Pelos anos cinqüenta ele vagou, freqüentemente bêbado ou chapado ou os dois, incorporando estranhas personas: britânico, irlandês, gangster, texano... Em 1955, junto com dois amigos, Daniel Wolf e Edwin Fancher, ele fundou o The Village Voice e, enquanto escrevia uma coluna para o jornal, começou a desenvolver o que se transformaria em sua marca registrada – um estilo ousado, poético, metafísico, shamanístico às vezes – além criar a sua própria filosofia hipster.

Era uma despretensiosa versão Greenwich Village do existencialismo, que argumentava que os negros e os músicos de jazz, especialmente, tinham vidas mais autênticas e melhores orgasmos. A mais famosa, ou infame, versão dessa filosofia foi o controverso artigo de 1957 intitulado “O Negro Branco”, que parecia endossar violência como um ato existencial e declarava que o assassinato de um dono de mercearia branco cometido por dois negros de 18 anos era um exemplo de se “ousar o desconhecido”.

Em novembro de 1960, o senhor Mailer esfaqueou a sua segunda esposa, Adele Morales, com um canivete, ferindo-a seriamente. Isso aconteceu no final de uma festa que anunciava a intenção do senhor Mailer em concorrer à prefeitura e, ele, como muitos de seus convidados, andara bebendo bastante. O senhor Mailer foi preso, mas sua esposa se negou a prestar queixa na delegacia. Foi solto depois de ter ficado em observação no Bellevue Hospital. O casamento terminou dois anos depois.

Somando tudo, o senhor Mailer foi casado seis vezes, contando um rápido matrimônio com Carol Stevens, com quem ele se esposou e se divorciou em alguns dias em 1980 para garantir legitimidade à filha deles, Maggie. Suas outras mulheres, além da senhorita Silverman e da senhorita Morales, foram Lady Jeanne Campbell, neta do Lord Beaverbrook, Beverly Rentz Bentley e Norris Church, com quem ele viveu até morrer.

Nos anos 70, o senhor Mailer se meteu em uma briga com feministas e militantes da liberação feminina, e num famoso debate em 1971 com Germaine Greer em Town Hall, Manhattan, ele se declarou um “inimigo do controle de natalidade”.

E ele falou sério. Com suas diversas esposas, o senhor Mailer teve oito filhos: Susan, com a senhoria Silverman; Danielle e Elizabeth Anne, com a senhorita Morales; Kate, com Lady Jeanne; Michael Burks e Stephen McLeod, com a senhorita Bentley; Maggie Alexandra, com a senhorita Stevens; e John Buffalo, com a senhorita Church. Ele também adotou Matthew, filho do casamento anterior da senhorita Church. Mailer teve dez netos.

Apesar de se considerar um hipster, o senhor Mailer era um pai atento e à moda antiga. Desde os anos sessenta custeou os gastos com todos os seus filhos e as pensões de suas mulheres, o que lhe obrigou a desovar alguns romances, incluindo “Um Sonho Americano” (1965), e a fazer freelances para revistas, a fim de saldar as suas contas.
Uma série de artigos para a Esquire nas convenções republicanas e democráticas de 1968 formaram a base para o seu livro “Miami e o Cerco de Chicago”, e artigos para a Harper´s e Commentary sobre a marcha anti-guerra no Pentágono em 1967 foram a base para o premiado livro “Os Exércitos da Noite: A História como um Romance, o Romance como História”.

Servo de um homem louco

O início de “Os Exércitos...” é um bom resumo da vida do senhor Mailer naquela época e um exemplo de como ele começou a se transformar num personagem em que o estilo literário e a sua individualidade eram virtualmente inseparáveis.

“Como Mailer chegou a reconhecer ao longo dos anos, o modesto sujeito do dia-a-dia era servo de um homem louco que era ele próprio. O cavalheiro não aparecia com freqüência. Era raro: uma vez por mês, nem duas vezes por ano, e a algumas vezes ele surgia quando Mailer estava amedrontado e furioso com o medo; às vezes surgia apenas para tomar um ar fresco. Ele era indispensável, entretanto, e Mailer até gostava dele. Já o homem louco era esperto em seu louco modo e absolutamente destemido. Ele teria sido admirável, exceto por ser um absoluto egomaníaco, uma fera. Nada estava fora do seu alcance”.

O crítico Richard Gilman disse do livro: “Em ‘Os Exércitos da Noite’, a força rude da imaginação de Mailer, seu talento obstinado de observação, seu encanto, é calculado honestamente e toda a sua audácia floresce numa terra firme de novos assuntos e temas coerentes.”

Alfred Kazin louvou o livro pela sua “admirável sensibilidade, cândida inteligência” e “pela sua preocupação com a América”.

De alguma forma naquela década agitada o senhor Mailer também conseguiu escrever “De um Incêndio na Lua”, sobre a chegada do homem à Lua em 1969, texto que começou como um série de artigos para a revista Life. Nessa época também fez seu filme mais famoso, “Maidstone”, no qual durante as filmagens mordeu parte da orelha do ator Rip Torn, depois que o senhor Torn lhe atacou com um machado. Também concorreu finalmente à prefeitura de Nova York, com a proposta de transformar a cidade de Nova York no qüinquagésimo primeiro estado. Ele também propunha banir automóveis particulares da cidade.

O escritor Jimmy Breslin, que também estava na chapa de Mailer, pensava que a sua candidatura era uma fanfarronice até que, numa reunião do comitê na boate Village Gate, ele descobriu que o senhor Mailer estava falando sério. (A chapa de Mailer acabaria não sendo escolhida para representar os Democratas, perdendo para Mario Procaccino, que por sua vez seria derrotado na eleição por John V. Lindsay.)
Em uma entrevista em setembro de 2006, o senhor Mailer disse que seu romance preferido, se não o melhor, era “Machões não dançam”, um thriller misterioso que escreveu por motivos financeiros em apenas dois meses em 1984. Ele tinha problemas com impostos, explicou, e precisava produzir algo rapidamente. “Eu estava disposto a escrever um mau livro se necessário”, ele disse, “mas em vez disso o estilo surgiu e isso me salvou”.

Seu melhor livro, ele decidiu depois de pensar por um momento, foi “Noites Antigas” (1983), um longo romance sobre o antigo Egito. O livro recebeu o que então tornaria-se comum nas críticas a seus trabalhos: elogios excessivos de uns e o desdém de outros. Sobre o livro que muitos críticos consideram sua obra-prima, “A Canção do Carrasco”, ele disse que possuía sentimentos conflitantes porque não era um projeto inteiramente próprio. “A Canção do Carrasco” – que é sobre Gary Gilmore, um assassino condenado que, depois de ficar no corredor da morte, pediu para ser executado no estado de Utah em 1976 – foi idéia de Lawrence Schiller, um escritor e cineasta que fez muitas pesquisas para o livro, filmando o senhor Gilmore e sua família.

Mas em “A Canção do Carrasco” o senhor Mailer reorganizaria esse material em uma nova voz impessoal que renderia os pensamentos para os personagens, em um estilo retirado parcialmente de suas próprias maneiras de falar. Mailer chamou isso de “romance da vida real”.

Joan Didion, resenhando o livro para o The New York Times Book Review disse: “É ambicioso ao ponto de causar vertigem. É fato que Mailer é um estilista grandioso e obsessivo, um escritor para quem o formato da frase é a estória. Suas frases não são longas ou curtas por acidente ou porque ele está com pressa. Eu acho que ninguém fora Mailer poderia ter ousado escrever um livro como esse. A autentica voz do oeste, a voz ouvida em ‘A Canção do Carrasco’, é ouvida freqüentemente na vida real, mas raramente na literatura”.

O senhor Schiller também ajudou o senhor Mailer com “A História de Lee Oswald: Um Mistério Americano”, seu livro de 1995 sobre Lee Harvey Oswald, o assassino do presidente John F. Kennedy. Em uma resenha para o The Sunday Times of London, Martin Amis chamou o livro de uma “proeza memorável de imaginação”. Mas o senhor Amis também notou que o livro lembrava a campanha que Mailer fez a favor do condenado Jack Henry Abbott, o que demonstrava mais uma vez a “velha queda do autor por qualquer assassino que embaralhasse o seu caminho com algumas páginas de Marx”.

O senhor Abbott cumpria uma longa sentença em uma prisão de Utah por estelionato e por ter assassinado um colega de prisão quando, em 1977, começou a escrever para o senhor Mailer. Este enxergou talento literário nas cartas do senhor Abbott e ajudou a publicá-las num aclamado volume chamado “Na barriga da fera”. Mailer também fez pressão para que o senhor Abbott tivesse liberdade condicional. Poucas semanas depois de ser solto, em junho de 1981, o senhor Abbott, agora um queridinho dos círculos literários de esquerda, assassinou uma garçonete com uma facada, num restaurante no Lower East Side.

De black-tie em eventos beneficentes

Este episódio foi a última grande controvérsia na carreira do senhor Mailer. Fatigado talvez, e estabilizado em seu casamento com a senhora Church, uma ex-modelo com quem ele casou em novembro de 1980, Mailer arrefeceu. O antigo anfitrião sedutor e arruinador de festas se tornou em convidado regular em eventos beneficentes e jantares promovidos por pessoas como William S. Paley, Gloria Vanderbilt e Oscar de la Renta. Seu editor, Jason Epstein, disse desse período: “Existem dois lados de Norman Mailer, e o lado bom venceu”.

Em 1984 o senhor Mailer foi eleito presidente da organização de escritores PEN American Center, e foi a principal força em trazer autores de todo mundo para uma conferência bastante badalada chamada “A Imaginação do Escritor e a Imaginação do Estado”. O senhor Mailer acabaria sendo criticado por intelectuais de esquerda que protestaram sobre o seu convite a Geroge P. Shultz, então secretário do estado, para a sessão de abertura. O senhor Mailer chamou a esses de “esquerdistas puritanos”.

Nos anos noventa a saúde do senhor Mailer começou a piorar. Ele tinha artrite, sofria de angina e usava aparelho para surdez. Mas a sua produtividade se mantinha inalterada, especialmente depois que ele entrou, nas suas próprias palavras, num “regime monástico” em 1995, deixando de beber enquanto trabalhava. “Bellow, eu e mais alguns fomos muito menores do que Faulkner e Hemingway”, ele reconheceu no início da década, mas nunca deixou de afirmar que, entre seus contemporâneos, ele era o campeão peso-pesado.

Em 1991 ele publicou “O Fantasma da Prostituta”, um romance de 1310 páginas sobre a CIA, que ele concebeu como uma espécie de igreja da guerra-fria, guardiã dos segredos da nação e propagadora de seus valores. Ele lançou uma biografia do Picasso parcamente reconhecida pela crítica em 1995, seguida em 1997 por “O Evangelho Segundo o Filho”, um romance em primeira pessoa sobre Jesus. Foi a brecha que alguns críticos estavam esperando. Norman Mailer pensa que é deus, disseram eles. No romance seguinte do senhor Mailer, “O Castelo na Floresta”, sobre Hitler, o narrador era o diabo, uma máscara que o autor admitiu adequada.

Entrevistado em sua casa em Provincetown, Massachusetts, pouco depois da publicação do livro, o senhor Mailer, frágil mas alegre, disse que esperava que sua pouca visão ainda durasse para que ele pudesse completar uma seqüência do livro. Seus joelhos estavam péssimos, ele acrescentou, segurando duas bengalas que usava para caminhar, e havia começado a fazer palavras cruzadas diariamente para refrescar seu estoque de palavras.

Por outro lado, escrever para ele estava mais fácil em pelo menos um aspecto: “O desperdício é menor”, ele disse. “As manias e as depressões diminuíram. Escrever é uma atividade séria e sóbria para mim agora, comparado quando eu era jovem. Se você é bom ou não, é uma questão que os melhores romancistas são obcecados em fazer, mais do que os romancistas ruins. Bons romancistas estão sempre terrivelmente afetados pelo medo de que eles não são tão bons como pensam que são e se perguntam por que estão escrevendo e onde podem chegar.”

“É uma noção tão estranha, particularmente nessa sociedade tecnológica, de que a sua vida é justificada por se ser um romancista”, continuou ele. “E o lado bom de se envelhecer é que eu não me importo mais com isso. Eu descobri algo que pouparia minhas aflições a 30, 40, 50 anos atrás, isto é, que a reputação de alguém tem muito pouco a ver com o seu talento. A História é que determina a sua reputação, não a ordem das suas palavras.”

Sacudindo sua cabeça, ele acrescentou: “Em dois anos, eu serei um romancista publicado por 60 anos. Isso não acontece com muitos de nós.” E ele se lembrou de algo que disse na cerimônia do National Book Award em 2005, quando recebeu um prêmio pela carreira: que ele se sentiu como um velho cocheiro que olha com horror, na virada do século XX, os carros barulhentos soltando fumaça.
“Eu acho que o romance já está de saída”, disse ele.

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