23 de jan. de 2007

Teatro
Tiros certeiros
Críticas e piadas ácidas do diretor César Almeida acertam o público em cheio na peça “Maria Bueno, a santa (tipicamente) curitibana”.

O diretor curitibano César Almeida é mesmo uma metralhadora giratória. Em suas peças, lança críticas para todos os lados, seja sobre a política brasileira, sobre a dificuldade de se fazer teatro no país, sobre os costumes da sociedade ou o sobre o preconceito contra os homossexuais.
Aliás, o tema da homossexualidade é quase sempre uma das questões mais polêmicas em seus trabalhos, tendo em vista que isso é apresentado sem rodeios, seja com piadas ácidas sobre o mundo gay ou com cenas de homens nus na maior bolinação, como em uma de suas últimas peças, “São Sebastião” (2005).
Mas se algumas vezes a metralhadora do diretor erra feio o alvo, seja pelo excesso de provocações, pelo discurso panfletário, ou por querer desconstruir o teatro até destruí-lo, dessa vez com “Maria Bueno, a santa (tipicamente) curitibana” sua pontaria foi certeira, o que se comprova pelo público que vem superlotando o teatro Novelas Curitibanas desde a estréia da peça, no último dia 17. Claro que o preço do ingresso é outro atrativo – apenas uma lata de leite em pó – mas o fato é que a peça é realmente boa e muito engraçada, apesar de narrar a tragédia de Maria Bueno, essa personagem mítica de nossa cidade.
Para quem não sabe, Maria Bueno foi uma jovem morretense do século XIX que veio tentar a sorte em Curitiba. Todavia sem muitas perspectivas de vida, de lavadeira ela passou a prostituta, e terminou assassinada por um soldado, seu noivo, como num sangrento conto de Dalton Trevisan. Maria foi enterrada numa cova rasa num terreno que depois viria ser a rua Vicente Machado e posteriormente seus restos mortais foram transferidos para uma capela no Cemitério Municipal, a qual passaria a ser muito visitada por populares que acreditam jazer ali uma santa milagreira.
Essa história, repleta de mistérios e imprecisões, foi reinterpretada por César Almeida a seu modo, tal como um Bertolt Brecht costumava fazer com figuras como Joana d’Arc ou Galileu Galilei. Na reconstrução de Almeida, a santa, apesar de ingênua, possui um discurso feminista e prefere morrer a se entregar a um homem que ela já não ama. Também como era de se esperar do diretor, sua montagem não é nada aristotélica ou convencional, mas sim bastante inventiva, escrachada, por vezes surreal, e tanto mistura conto de fadas com programa de auditório. E no entanto apesar de todo esse caos, a coisa funciona, e não por milagre.
O entrosamento perfeito entre os atores é um dos motivos. Há muita improvisação e as piadas parecem mesmo frescas, risíveis até para eles, que muitas vezes não se seguram. É claro que esse excesso de descontração, que lembra muito o que acontecia na antiga série global “Sai de baixo”, com Miguel Falabella, Tom Cavalcanti e companhia, às vezes pode ser prejudicial, por cansar a platéia ou desconcentrar os atores.
E falando em Tom Cavalcante, é inegável a semelhança entre o estilo do bêbado, pai da Maria Bueno, interpretado pelo ator Caike Luna, e o saudoso “João Canabrava”, que era feito pelo Tom. Fazendo o papel do bêbado, da fada madrinha e da macumbeira, Caike mostrou-se um comediante tão bom ou melhor do que o famoso humorista, hoje da TV Record. Ludmila Nascarella, como a mãe de Maria Bueno e como a esposa do barão e socialite curitibana, é também muito cômica e segura de si, da mesma forma como Mateus Zucolotto, que interpreta o açougueiro e o soldado. Carlos Vilas Boas não chega ser tão engraçado quanto eles, representando o barão e o aparvalhado príncipe encantado, mas mantém o nível da atuação. Por fim, é interessante observar como Kassandra Speltri quebra consideravelmente essa linha da comédia rasgada, o que equilibra a peça. Ela interpreta Maria Bueno de forma mais séria, como a ingênua que luta para ganhar um pouco de jogo de cintura em meio a outros personagens que tentam ridiculariza-la ou subjuga-la.
Já no fim do espetáculo, percebemos que a metralhadora de César Almeida não poupou ninguém, deixando um número considerável de “feridos”, entre eles nós mesmos. A começar que a peça toda é falada com aquele sotaque curitibano enjoado, carrregadíssimo, assim como muitos de nossos costumes malucos – do topete da perua ao nosso caráter fechado - são postos a nu. Sobra também para a polícia que rouba carros no Largo da Ordem, para o ex-arcebispo Dom Pedro Fedalto, que nega santidade da Maria Bueno, e também para o governador Roberto Requião. Segundo César, se dependesse do governo, essa peça não sairia nunca.
Serviço
MARIA BUENO – A SANTA (TIPICAMENTE) CURITIBANA. Texto e direção: Cesar Almeida. De 17.01 a 11.02 – De 4ª a sábado, às 21h – Domingo, às 20h. Ingresso: uma lata de leite em pó. Teatro Novelas Curitibanas. Rua Presidente Carlos Cavalcanti, 1222 Tel: 3321-3358

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15 de jan. de 2007

12 dias na cidade chapa quente
Bem-vindo ao Rio
Impressões de quem visitou o Rio de Janeiro pela primeira vez em pleno caos no fim do ano

Nem Pão de Açúcar, nem Cristo Redentor, nem Lagoa Rodrigo de Freitas.O que me chamou a atenção no Rio logo de primeira foram as inscrições do Profeta Gentileza, ao longo do viaduto do Caju.

Quinta-feira, 28 de dezembro de 2006. Depois de 13 horas de viagem a bordo de um ônibus convencional Penha,praticamente sem dormir, chego cansado e baratinado então pelo sono no apartamento da minha tia Mabel, na praça da Bandeira. São 11 horas da manhã. Logo depois de cumprimenta-la, ela me avisa: “Seu pai já ligou pra cá. Deve estar preocupado...” “Como sempre, né”, respondo algo assim, mas ela acrescenta, com um olhar sério: “Um ônibus de turismo que passava por aqui foi incendiado nessa madrugada. Pessoas morreram...” Ummm, meneio a cabeça como se tudo estivesse sob controle. Bem vindo ao Rio de Janeiro.

No almoço, meus tios conversam indignados sobre o caos que toma conta da cidade naqueles dias. “A culpa é da polícia, que está invadindo os morros desse jeito”, brada meu tio Sérgio. “Se cada um fosse responsável pela sua segurança, isso não ficava assim”, e conta um caso que aconteceu anos atrás. Segundo ele, havia uma construção sendo feita na cidade, um prédio público, e no dia do pagamento dos operários que trabalhavam nessa obra, houve um assalto. “Tudo bem”, disso o meu tio. “No mês seguinte, quando os bandidos vieram assalta-los novamente, os operários todos se enfureceram e partiram para cima deles. Mataram os assaltantes na porrada”. “Caracas!”, pensei eu, enquanto degustava o feijão com arroz e o pimentão recheado, e ouvia mais algumas histórias escabrosas sobre esse Estado selvagem que meu tio parecia achar legítimo. “E aquela vez que uma mãe degolou o cara que estuprou o filho dela....”.

O papo seguiria nesse clima durante todo o almoço, com minha prima Flávia também entrando na conversa e revelando o quanto estava apavorada com a situação, temendo sair de casa com os ônibus sendo queimados. Depois do ônibus de turismo da Itapemerim em que 8 pessoas haviam morrido carbonizadas, os ônibus de linha estavam sendo atacados também. Sem falar dos postos policiais, que eram metralhados. Vocês podem imaginar como fiquei tranqüilo ao saber depois que havia uma delegacia a vinte metros de distância do nosso apartamento, e um posto policial na rua de trás. Posteriormente, fiquei sabendo que essa perseguição à polícia era chamada de “caça ao pato”.

Mas registro aqui que, nessa hora do almoço, pude dissipar uma das dúvidas que eu possuía sobre o Rio e seus habitantes. Eu achava que, com tantas barbaridades que aconteciam diariamente, a população recebesse novas tragédias sem se abalar muito, talvez com indiferença. Óbvio que não era assim, e ali estavam meus familiares que moravam ali, indignados diante de mim. Ninguém se acostuma a viver sob o terror – tirando os psicóticos e os políticos que parecem querer nunca resolver essa situação de fato.

Também não foi à toa que dias antes em Curitiba eu assistira a um curta metragem recente, no Canal Brasil, produzido no Rio, chamado “Cólera”, e que retratava justamente como andava o humor do carioca perante à barbárie. Era sobre uma moça, uma lojista, que um belo dia se indignou e não pagou mais propina para os traficantes – afinal de contas, mesmo com a suposta proteção deles a sua loja continuava sendo assaltada. O filme terminava mal, com ela tendo que largar a loja, e sendo parada numa blitz policial. Mais uma vez, um PM iria lhe extorquir dinheiro pois o IPVA do carro dela estava atrasado. A trilha sonora do filme era uma música do Jorge Aragão que eu não conhecia, chamada “O Iraque é aqui”.

Saindo pra pista
Depois de tomar algumas cervejas advindas do estranho bar “C.B do Bem”, que fica no andar de baixo do prédio da minha tia, era hora de conhecer a cidade. No primeiro dia, no final da tarde, eu e meu primo Maneco partimos para o centro, com o destino à rua Almirante Barroso. Eu iria conhecer um tipo de balada que não costumo freqüentar em Curitiba, até porque não sei se existe algo nesses moldes na capital paranaense.
Fomos ao Pampa Grill, curtir um happy hour. Bom, vocês vão me dizer, é claro que tem happy hour em Curitiba. Quantos e quantos barzinhos não bombam por aqui, por volta das 19h? Tudo bem, só que vejam só no que o Pampa Grill é diferente. Mais do que um barzinho que abre no meio de semana logo em seguida ao fim do expediente da galera, o local é uma balada forte mesmo. Tem o estilo de uma boate, meio chique - mais pra brega na verdade -, e fica lotado de gente. O que toca lá é principalmente funk e techno, cada estilo em um andar. Ah, e aqui vem o que eu achei mais diferente: você paga 20 pila de entrada, certo, mas em compensação, tem comida liberada a noite inteira. E vejam só o cardápio: alcatra, lingüiça, bolinho de peixe, pizza, sanduíche, batata frita, queijos e outros frios, resumindo, a maior orgia gastronômica. E o principal: rango de primeira. É brincadeira? Eu achei ótimo, principalmente porque cheguei morto de fome.
Sabe, gostei tanto do Pampa Grill, que no dia seguinte eu fiz uma música...

(lá e ré, num ritmo meio samba-rock)

Lá no Pampa Grill/O pessoal/ do Rio/ se encontra/para dançar/ pra comer/comemorar/e viver/e amar/

Lá no Pampa Grill/ aqui/ no Rio/ de Janeiro/ o tempo inteiro/ é festa/

Lá no Pampa Grill/o pessoal/ do Rio/ se encontra/ pra ouvir funk/ e ficar numa boa/ lá no Pampa Gril

Meu primo odiou (vocês provavelmente devem ter achado uma merda também) mas depois ficava cantarolando “Lá no Pampa Gill...” Confesso que a canção é melosa, mas gruda realmente na cabeça das pessoas logo na primeira audição. Daria quem sabe um bom jingle - ouviu só diretor de marketing do Pampa Grill? Qualquer coisa estamos aí. Bem, nos dias seguintes pude visitar uma série de baladas interessantes, desde os botecos da Lapa até a pororoca que é a rua Ceará, com os bares de rock - como o Garage - que depois se fundem à fantástica Vila Mimosa (tradicional zona de prostituição do rio). Tomei chope (uns 20) no Belmonte, refresquei-me com algumas Bramas num boteco na rua Vinícius de Moraes, conheci a pracinha Vanhargen, repleta de adolescentes da Tijuca, levei mais de 10 cortes das mulheres na quadra do Salgueiro, e curti um funk na Mangueira, talvez a coisa mais interessante que pude presenciar.

O funk é a trilha sonora da guerra

Exército patrulha estradas do Rio.

O samba ainda não morreu, é verdade, mas no momento ele agoniza na UTI do Souza Aguiar, após ter ser sido atingido por uma bala perdida oriunda de alguma música de funk. Como todos sabem, quase todo funk que se preze possuí sons de metralhadoras e de explosões em suas batidas.

Pois é, o velho ritmo parece não mais representar o carioca do ano 2000. Você anda pelo Rio e é só o funk que você ouve por todos os lados: no som alto da casa ao lado, no rádio, na tv, no dvd, na boate chique, na boate fuleira, no morro, nos mp3 players vendidos na Uruguaiana, no som do carro do bacana, e até na quadra de samba.


Quando estive na quadra da Salgueiro, por exemplo, quando o samba deu um tempo e começou a tocar funk, aí é que o bicho começou a pegar. A mulherada dançava com energia dobrada e quando o samba voltou, bateu até um desânimo. Vontade que fosse funk a noite inteira, e nada de samba. Pude ver fenômeno parecido também na Mangueira. No dia do samba, claro, o Palácio do Samba (como é chamada a quadra da Mangueira) estava lotado, porém do lado de fora, de frente para o Palácio, o que fervia era o funk, tocado em umas três tendas, cada uma com a sua equipe de som. O que falar então, quando visitei um dia exclusivamente dedicado ao funk lá na Mangueira? Aquilo sim estava lotado. Todo o pé do morro, mais o morro de cima a baixo. Devia ter umas 10 mil pessoas, e gente de todo o tipo: playboy, patricinha, turista, classe média, mais os moradores.

Outra coisa que me espantou foi a ordem no lugar. Pelo menos ali, não vi nenhuma confusão, ninguém mexendo com a mulher dos outros. Isso por uma razão bem óbvia. Patrulhamento ostensivo dos soldados do morro, que passam constantemente em seus bondes (em grupos) empunhando seus fuzis e mostrando quem é que manda no pedaço. Saiu da linha, vai ter que “deresenrolar na boca” - isto é, vai ter que se entender com as “autoridades”, e aí pode acabar no microondas.

Tirando esse receio natural de levar uma bala perdida, de me meter em alguma confusão, ou de que a Força Nacional irrompesse fuzilando todo mundo, fui muito bem tratado no Morro da Mangueira, joguei sinuca com a rapazeada lá, “curti a vera” (como eles dizem), e é pena que estiveram rolando uns conflitos por lá ultimamente.

Bem, eu ia fazer uma análise sobre o funk, tentando entender ou apresentar algumas hipóteses sobre esse fenômeno todo, e acabei divagando. Pois é agora que começo a tratar do assunto.

Por que o funk se prolifera tanto no Rio de Janeiro, ganhando o espaço do samba?

DJ Marlboro em ação.

-Em primeiro lugar, porque o funk é o ritmo que fala mais diretamente sobre realidade dos 2 milhões de favelados que existem no Rio. Quem vive no morro hoje em dia sofre demais, seja com a pobreza, as invasões da polícia, as brigas entre as facções do tráfico, etc., etc. As músicas de funk tratam disso, de forma simples e direta, todavia, mais do que denunciar e reclamar dessas situações como faz o rap, a maioria dos funks são feitos para divertir a galera, pra tirar onda, para celebrar a vida.

- Ainda sobre a temática dominante do funk: um dos assuntos preferidos é o sexo, que é o que realmente interessa a todo e qualquer ser humano. Apesar de usar bases eletrônicas, que poderiam ser cheias de efeitos malucos, como numa musica de psytrance, por exemplo, a maioria dos funks cariocas são músicas absolutamente primitivas, utilizam quase sempre a mesma base, a qual, é predominantemente marcada pelo som do “tamborzão”, como os funkeiros mesmo se referem, acrescido de sons de tiroteios ao fundo, e de repetições toscas, como se fossem scratches. Com essa música e dança quase ritualística, o funk tem muito mais a ver com os ditirambos dionisíacos do que qualquer outro ritmo.

- O funk vem fazendo hoje o que o axé fez, só que com a diferença de que no funk as coreografias conseguem ser ainda mais ousada e as letras de funk não possuem censura nenhuma. O funk não precisa inventar subterfúgios do tipo “segura o tchã” ou “vai ralando na boca na garrafa”. O funk pega e diz claramente: “é pau na boceta, boceta no pau”, e ponto. É assim que é, não é mesmo? “Sem neurose”, como eles dizem, o que quer dizer também, sem hipocrisia. E o funk pode fazer isso porque é independente. Os artistas não precisam ser comportados para poder tocar no Faustão ou então para tocar na praia, tipo trio elétrico, como o apoio da prefeitura. Não, os funkeiros criaram o seu própria espaço para tocar e para ganhar dinheiro. Eles possuem um mercado próprio, e um mercado tão grande que é capaz de produzir, inclusive, vários artistas que podem fazer sucesso no mainstream. É o Leozinho cantando com o Roberto Carlos, era o Bonde do Tigrão no Gugu, o Marlboro no show da Xuxa, A Tati quebra barraco excursionando pela Europa. Mas apesar desses artistas, o movimento não deixa de ser underground.

- Pela facilidade de sua produção. Assim como no punk ou como no rap você não precisa saber tocar nenhum instrumento. No funk, a música em 70% dos casos é sempre a mesma, é sempre a mesma batida, com alguns efeitos diferentes. Só muda a letra. Qualquer criança, analfabeto, pode escrever uma letra de funk. Fazer samba é inegavelmente muito mais trabalhoso. Alguém tem que tocar um cavaco, um violão, uma percussão. Sem falar de toda uma tradição por trás, que acaba pesando para quem se aventura a fazer um samba.

- Muitos funks são considerados proibidos pela polícia por fazerem apologia explícita ao sexo, à violência e ao tráfico. E vocês sabem, tudo o que é proibido é mais gostoso e vira sucesso.

- O funk tem o apoio do tráfico. Mesmo os funks que fazem algum tipo de denúncia social, nenhum deles jamais teceu críticas ou falou mal do tráfico.

- O funk já se consolidou como produto de exportação, vide DJ Marlboro, Tati Quebrabarraco, Bonde do Rolê (que é daqui de Curitiba), entre outros. É o presente. Samba é passado.

Revéillon com os Black Eyed Peas e as balas perdidas


No ano-novo, fui ver os Black Eyed Peas em Ipanema e, eu que não gosto nem um pouco deles, acabei por gostar do show, que foi divertido. A única coisa que lamentei foi ter perdido o show do DJ Malrboro, que também se apresentou na praia. Aparentemente, tudo transcorreu de forma tranqüila no Réveillon. No meio daquele oceano de gente, um milhão de pessoas aproximadamente, não presenciei nada que estragasse a festa. Só mais tarde é que eu iria saber das prezepadas.

Em Copacabana, 3 pessoas foram atingidas por balas perdidas - uma senhora levou um balaço no peito, um cara foi atingido no pé e um senhor, puta merda, levou uma no saco. Na Rocinha, uma mulher morreu, também atingida por um desses projéteis erráticos. Outro fato impressionante aconteceu na volta das pessoas para casa. Quatro jovens entraram num ônibus que ia para o centro e começaram a aterrorizar geral. Quebraram vidros e, que infelicidade, disseram que iam botar fogo no latão, sendo que todo mundo já estava mais do que paranóico com essa história de incêndio em ônibus. Então eis que um sujeito tira uma pistola da mochila e diz: “Enquanto eu estiver aqui, ninguém põe fogo em porra nenhuma”, e meteu chumbo nos moleques. Dois deles morreram, os outros dois conseguiram fugir pela janela. Depois de matá-los, diz que esse cara ainda desejou “feliz ano-novo” para o motorista, tal como num conto do Rubem Fonseca, e saiu. Agora o detalhe é que os guris não tinham com eles nem gasolina, nem nada. Como é que iam incendiar alguma coisa? Os familiares dos guris mortos depois disseram que eles não eram bandidos, eram apenas estudantes, e que provavelmente só estavam fazendo uma baguncinha – quebrando os vidros do ônibus. O matador não foi encontrado pela polícia.Bem, era por essas e outras - como constatar que a rua do meu primo estava fechada novamente pelos policiais, que temiam ser atacados por traficantes, ou então sair com o helicóptero Águia sobrevoando a minha cabeça, deitando seu facho de luz sinistro para lá e para cá, entre outras coisas assim – que sempre que eu saía para a rua, eu sentia que precisava tomar uma cana. Confesso que me sentia um pouco como a prostituta que bebe um trago ou dá uma cheirada antes de partir para o batente. Mas fazer o quê? Só assim mesmo para amenizar a tensão. Seja no sertão do Riobaldo ou em qualquer lugar, todo mundo está careca de saber que “viver é muito perigoso”. Mas parece que no Rio é um pouquinho mais.

Segurança para o Pan, e não para o Rio de Janeiro

Essa era a impressão que dava ao ouvir o governador Sérgio Cabral ou o presidente Lula falando sobre a segurança. Na verdade, acho que o Lula disse isso mesmo: precisamos garantir a segurança para o Pan-americano. Tudo bem, mas e a segurança para o Rio, efetivamente, depois que o Pan terminar? Ou se encara o problema de frente com uma política determinada a erradicar o que gera toda essa violência e a insegurança, isto é, a pobreza, a desigualdade social, a corrupção, ou nada se resolve no Rio. Mandar vir a Força Nacional, reforçar o policiamento, invadir os morros, isso no máximo abafará momentaneamente os criminosos que, depois, por vingança, certamente voltarão a aterrorizar. Erradicar as favelas, criar programas para que a juventude pobre não entre para o crime, gerar empregos, disso o seu Sérgio Cabral e o Lula não falam. Ou melhor, até falam, como todo político. Eu quero ver é fazer.

"Eu tô voltando pra casa..."

Dia 10 de janeiro de 2007, 10h30 da manhã. Chego em Curitiba, depois de 13 horas num Penha, dessa vez leito, mas que também não me fez dormir. Sonolento e esbodegado, deparo-me com uma cidade calma, praticamente vazia nesta quarta-feira - tá todo mundo na praia -, apesar de logo alguns malacafentos dentro do biarticulado que me conduz de volta para casa me fazerem voltar à realidade e tomar tino. A tranqüilidade e a segurança aqui também não são muito maiores do que no Rio. Violência, assaltos, seqüestros-relâmpagos adoidado, todo mundo tem uma história dessas para contar. Todavia, aqui já não estou mais de férias e não posso mais beber todo o santo dia como desculpa para poder sair de casa.

Como consideração final desse longo relato que bem poderia se chamar "Minhas Férias", digo pra vocês que foi muito bom conhecer o Rio, algo que há muito tempo tinha vontade de fazer. Algumas expectativas se frustraram, é verdade. Faz tempo que a cidade não é o Eldorado que ainda insistimos em acreditar, como já ironizou o Jamil Snege, isso já em 1968. Mas a energia e a receptividade do povo que eu vi e conheci com certeza superaram de longe as decepções. Espero mesmo poder voltar em breve ao Rio e assim conhecer muito mais pessoas e lugares. Um grande abraço pro Maneco, pra Daniela, pra Flávia, pro Sérgio e pra Mabel. Obrigado por tudo!

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